terça-feira, 25 de setembro de 2007

Hagar, Pink Panther e Os Três Patetas

Recebi a notícia mais triste da minha vida em setembro de 2002, no dia 8, a 10 dias de seu aniversário. Era uma tarde cinzenta e chuvosa, domingo fatídico aquele. Na UTI do Hospital Oswaldo Cruz, eu e meus irmãos abraçados, a dor na alma e na carne, como se alguém tivesse arrancado nossos corações pela garganta, nos sufocando. Durante muitos anos lutei para apagar da memória essas imagens, visíveis mesmo de olhos bem fechados.

Depois de cinco anos, hoje lido melhor com recordações e não passa um dia sequer sem que me lembre dele. O sorriso doce, os olhos meigos, o jeito brincalhão, sempre pronto para fazer uma graça, soltar uma piadinha. Daí tomei coragem e resolvi escrever este texto para me lembrar cada vez mais, me certificar de que jamais esquecerei sua voz, mesmo que não a tenha gravada na caixa postal do meu celular, como várias vezes pensei em fazer com as mensagens deixadas por ele.

Engenheiro, sublimou o talento para o desenho mas não perdeu a sensibilidade. Lia o jornal toda manhã, sem perder as tirinhas de Hagar, o Horrível, o adorável viking do cartunista Dick Browne. Lembro dele deitado depois do almoço, na sala de som, escutando música, de preferência um Paulinho da Viola, Clara Nunes, porque o cara tinha bom gosto musical. Ou tomando um uisquinho para relaxar depois do trabalho, passeando com o cachorro que ele me deu - mas que escolheu ele como dono. Lembro dele com cara de gaiato, sempre tentando uma pegadinha, dando gargalhadas com O Gordo e o Magro, com o humor ingênuo do trio mais biruta da TV, Os Três Patetas, e com o desenho animado Pink Panther, a pantera magra e desengonçada, apelido depois dado por mim e pelo Beto ao nosso irmão do meio.

Companheiro da minha mãe por mais de 50 anos, com ele, aprendi a ser mais paciente, menos intransigente. De herança, ele também deixou a força para vencer os vários desafios: a perna quebrada em acidente quando ainda era garoto, a internação em Campos do Jordão para tratar a tuberculose adquirida na fábrica de lâmpadas onde trabalhava, o câncer de próstata, a osteoporose na coluna... O cara era forte como uma rocha, o são-paulino que escutava futebol pela Jovem Pan e acordava a casa toda pela manhã com a famosa vinheta da rádio “vambora, vambora, tá na hora, tá na hora...” Deu duro a vida inteira e quando se aposentou abriu um negócio. Quando não deu mais, foi administrar a Arteplural. E eu, influenciada por seu espírito moderno, entre o Jornalismo e o Direito, escolhi o primeiro. Por isso, dedico a ele cada dia de trabalho com bom humor e brindo vida longa à Arteplural.

É muita história pra colecionar. O passeio de ônibus por Copacabana quando moramos no Rio, os pacotes de biscoitos devorados logo depois do jantar. A emoção da primeira vez que o homem pisou na Lua, a farra com a vitória da seleção da Copa de 70 pelas ruas do bairro, ele dirigindo nosso primeiro Fusca. Os tanques de Guerra na porta de casa, em frente ao quartel da Manoel da Nóbrega em 64, a estranheza ao ver fotos de amigos da família procurados como “subversivos” em cartazes na padaria. O governo militar e a inocência de meus irmãos marchando como os soldados.



E hoje, ele dando cambalhotas no sonho do Flávio ou atendendo o telefone na casa da minha mãe, desta vez no meu sonho, e dizendo para eu não me preocupar que ele estava cuidando direitinho dela. O orgulho de ter o mesmo nome, ter nascido no dia 18. Meu pai era uma figura e eu aproveitei bastante o tempo que pude ao seu lado, tenho certeza.

(Fernanda Teixeira)

20 comentários:

Anônimo disse...

Poxa, Fê, o seu texto é lindo. Quase chorei só de ler. Entendo bem o que é ter o pai como exemplo de força, pois tenho a mesma relação com o meu. Com certeza, de onde ele está, está bem contente da filha batalhadora e competente que tem. Uma pena que não o conheci.

Anônimo disse...

É isso aí, Vanessinha. Obrigada pela leitura. Estava com receio de ser melodramática. Bom que você gostou.

Anônimo disse...

Li seu texto, ou melhor, sua crônica. Isso é uma ode ao amor incondicional, que nos remete às boas lembranças, fazendo que tudo tenha sentido. Amo também, incondicionalmente meus pais. E como amo! E, como um alento, vejo, através de suas palavras, que os terei eternamente, e mesmo na impossibilidade do toque, do cheiro, os terei no coração e na lembrança. Não, Fernanda, seu texto não é melodramático. Seu texto é um hino ao amor.

Anônimo disse...

FÊ queridíssima, bom lembrar do Fernandão...nosso presidente Figueiredo....só vc p/ escrever tão maravilhosamente sobre ele... realmente deixou saudades....
Como sempre vc me emociona, minha querida amigona.
Mtos bjs,
Clê

Anônimo disse...

Fe, pelos seus relatos, devemos ter uma idade semelhante, pois vivemos coisas bem parecidas. Parecido tb é a saudade que sinto do meu pai, o que me faz ter uma compreensão do que vc passa.
Temos que lembrar mesmo. Nunca esquecer, e se possível com o amior bom-humor e carinho possíveis. Viva o Papi!
Beijão.

Anônimo disse...

célia, cleide e edu,
é muito bom ter vocês por perto, queridos!

Tudo al dente disse...

Salve Fernanda, muito bom ler seu texto. Vou virar cliente deste blog... bjs...

Anônimo disse...

que bom, alê! fique por perto. beijo e obrigada.

Anônimo disse...

Oi Fê, que lindo o que escreveu sobre o seu pai, me emocionei demais, tô chorando que nem bezerra desmamada e tentando disfarçar. Lembrei do meu pai que também é falecido e que foi tão ausente... mas quando partiu veio no meu sonho me dar adeus. Sua danada, mexeu comigo isso viu??!!! beijos Karlota

Anônimo disse...

olá Fernanda
Este texto me fez lembrar as vezes em que eu falei com o seu pai e fiquei emocionada.
O Dr. Fernando sempre foi muito delicado e atencioso.
Pessoas assim deixam muitas saudades.
bjs
Priscila Higuchi Ramos

Anônimo disse...

É mesmo, Priscila. Você conheceu esse cara especial. E gostava muito de você. Obrigada pelo carinho. bjs.

Anônimo disse...

Aqui é a Drika (cunhada da Vanessa)...
Fui obrigada a postar um comentário à respeito do que você escreveu... simplesmente lindo!
É maravilhoso ter um pai que nos dá bons exemplos de vida. Não um super-herói, mas um ser humano especial!
Seu texto me fez refletir, principalmente quando você escreve: "eu aproveitei bastante o tempo que pude ao seu lado, tenho certeza."
Esta é a essência da vida... aproveitar cada minuto que temos ao lado das pessoas que amamos porque não sabemos até quando elas estarão ao nosso lado. Estou aprendendo isto...
Um grande beijo e diga para a cunhada que finalmente postei um comentário! rs

Anônimo disse...

Fiquei muito emocionada com seu texto sobre seu pai, com lágrimas nos olhos, não consegui ler até o fim. Outro dia lerei com mais calma e, farei mais comentários...
Adorei o nome do teu Bolg - Blog do Dudu ... um abração,

Anônimo disse...

adorei o blog do Dudu.
Delícia!Bem-vinda ao universo dos blogueiros! Vc já havia entrado no meu? Anote: http://otavionapeneira.zip.net

Anônimo disse...

Oi Nanda, o texto do papai ficou bacana, não esta melodramatico não...um beijo e bom dia

Anônimo disse...

Tive o enorme prazer de conhecer e conviver com o "seu Fernando". Gente boa, brincalhão e sempre de bem com a vida. São pessoas como ele que nos fazem sentir o verdadeiro sentido da palavra saudade.

Anônimo disse...

Ai, Fred, assim vc acaba comigo...
Lembro de você por perto, ajudando em momentos difíceis, acontecidos na casa dele, aqui ao lado da arteplural. Na vida o carinho dos amigos vale ouro. beijos.

Anônimo disse...

Fê, realmente seu texto é lindo. Pra mim ainda é difícil falar sobre tamanha perda. Mas tenho certeza que logo, vou poder contar as histórias do maior, e talvez pior piadista que eu já conheci.
beijos
célia jordnai

Anônimo disse...

Fê, desde que te reencontrei (10 anos desde a última vez), acompanho
essa "saudade" que sente do seu pai. Muitas vezes já me emocionei com algumas dessas histórias contadas por você sobre ele,
mas quando vc mostrou o texto não consegui segurar. É muito verdadeiro e maravilhoso.
Cada vez que leio fico com mais vontade de ter conhecido essa "figuraça".Ainda bem que tem vc pra sempre me contar mais e mais histórias dele.

Anônimo disse...

o texto do seu pai é muito emocionante. eu estava chorando... seu pai deve estar muito orgulhoso com a declaração de um amor tão lindo....