quarta-feira, 19 de setembro de 2007

"Ela tá em tudo quanto é canto"

Se os créditos do filme sobem e me vem a sensação de nunca mais querer vê-lo, pode ter certeza de que ali a arte foi bem representada. Caso contrário, nem dou chance de chegar aos créditos. Para mim, filme bom é aquele que vai lá no fundo mexer com nossos sentimentos e angústias, provocando reflexões e mudanças de comportamento. Em alguns casos, revê-lo pode remexer nessas sensações e causar desconforto.

Assim foi quando assisti a uma obra muito recomendada por colegas de diversos setores da sociedade, como psicólogos, educadores, ambientalistas, filósofos, jornalistas etc. Estou falando de Estamira, um documentário dirigido por Marcos Prado, que conta a história de uma mulher de 63 anos que sofre de distúrbios mentais.

Essa mulher, que vive e trabalha há mais de 20 anos no Aterro Sanitário do Jardim Gramacho - local que recebe diariamente mais de 8 mil toneladas de lixo produzido no Rio de Janeiro -, é dona de um discurso tão profundo e poético que chega a ser um tapa na cara de todos nós, considerados sadios. Por meio de sua história, Estamira levanta questões de interesse global, como o destino do lixo, o desamparo humano, social, econômico e político. "Isso aqui é um depósito de restos. Às vezes é só resto e às vezes vem também descuido. Resto e descuido", afirma a protagonista em referência ao Jardim Gramacho.

Nada escapa aos seus olhos atentos. Na sua "lucidez", Estamira nos propõe uma reflexão sobre a medicina, a educação, a religião e o comportamento humano. "Não existem mais inocentes, mas sim espertos ao contrário", diz.

Para definir o seu distúrbio mental e o atendimento que recebe por meio do serviço público de saúde, ela é enfática: "Eles estão dopando quem quer que seja com um só remédio" Estamira é sábia e tem plena consciência de que seus problemas mal são ouvidos. "Eles só copiam... eu vou lá todo dia, todo mês, cada consulta é o mesmo remédio... Esses remédios são da quadrilha da armação, dos dopantes".

Fica aqui a dica de um filme que faz jus à sétima arte, por emocionar e modificar o ser que a contempla. E a certeza de que todos nós temos um pouco de Estamira.

"Deficiência mental eu acho que quem tem é imprestável, né. Bem, pertubação também, mas não é deficiência, né. Pertubação é pertubação. Por que não pode ser pertubado?"

"Isso até meu neto sabe. Ele nem foi na escola copiar o que aqueles hipócritas manda"

"Eu, Estamira, sou a visão de cada um"

(Fabiana Cassim)

2 comentários:

Anônimo disse...

Fabiana, esse filme deveria ser obrigatório nas salas de aula. Estamira é uma lição de vida!

Adriana

Anônimo disse...

Fabi, não vi o filme, mas, pelo o que você passou, ele mostra que, sabedoria não é sinônimo de diploma na parede. ;)