quarta-feira, 10 de outubro de 2012


(Para) Noia

Sinal vermelho, os carros freiam. Me meto entre um e outro na fila do meio do avenida. Chegou a hora.
- Passa a grana e o relógio! Tô com pressa, anda, te rasgo todo, faço um buraco fundo nessa tua careca ridícula! Merda, o cara acelerou, levou um baita susto, saiu cantando pneu e passou por cima de uma velhota manca. Ela atravessava fora da faixa, a vaca, deve ter merecido, aquele pescoço cheio de colares, anéis de ouro nos dedos. Deu pra ver o brilho. O estrago foi grande, sangue pra todo lado, começou a juntar gente. Tratei de correr, correr até ficar sem ar. Ufa, pronto.....O peito arfando, dez quarteirões depois escolho outra esquina, outro ponto estratégico.
Cara, preciso me dar bem... paciência é a melhor arma para mirar e dar o tiro certeiro no próximo otário com o vidro do carro aberto. Vai dançar o idiota! Quero ver o Zè Mané escapar. Tô ligadão..., esperto pra dar o bote. Me escondo atrás do ponto de ônibus, me espremendo pra ficar mais magro que sou, o estilete de 15 cm novinho em folha, preso entre a barriga e a calça. Dá pra sentir o gelado da lâmina de aço roçando os pelos da barriga, abaixo do umbigo. Esse bagulho que eu cheirei de manhã não bateu. Se liga, ninguém vai me ver, velho. Preto como a noite, vai ser mole.
Depois daquela zica, todo respingado de sangue, que nojo! Será que a vaca morreu...ponto de interrogação). Deve ser horrível sentir o tranco da lataria do carro bater no corpo...Uma geleia, monte de ketchup esparramado no asfalto. Opa, carro de vidro claro, mulher ao volante, vítima perfeita.
_ Vai logo, Madame, quero a grana e o celular  senão corto seu pescoço da garganta até o peito, vai!
Filha da puta, abriu a porra da porta na minha cara! A força do impacto me derrubou, caí de costa. A mulher soltou o cinto, desceu do carro, vestido preto curto, loiraça. Ainda deu pra ver os olhos verdes faiscantes de raiva, e as pernas gostosas, roliças, antes da vagaba enterrar o salto fino do sapato no canto da minha boca. Rasgou tudo, de novo o sangue  jorrando, aquele azedo descendo grosso pela garganta. Piranha, essa eu pegava.
(exercitando o narrador vil, Oficina de Escrita Criativa, com Nanete Neves)