quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Os azulejos amarelos do Frevinho

O amarelo dos azulejos da parede e o vinho do estofado das cadeiras e bancos do balcão do Frevinho (quando eu e meus irmãos éramos garotos, adorávamos tomar ice cream soda e comer beirutinho lá) acionaram o mecanismo de volta ao tempo na minha memória.

Minha mãe conta que, grávida de mim, costumava tomar baldes de suco de laranja. Recém-casados, ela e meu pai moravam na esquina das ruas Augusta e Antônio Carlos, pertinho dos cinemas Majestic e Picolino e em frente à lanchonete Long Champ, lugar bacana, decorado com motivos equestres. Era só atravessar a rua para o suco de cada dia, entre uma e outra mesa de pôquer, porque minha mãe adorava uma jogatina, era craque no baralho. Tanto que algumas vezes saiu da mesa de jogo direto para a maternidade.

Nessa época, ela cortava o cabelo no Jamber, que ficava embaixo do nosso apartamento. Com uns 6 anos, lembro de nosso dentista, Dr Brink, nos levar para casa depois de uma consulta – o consultório dele ficava na Augusta também - em seu Karman Ghia vermelho. Essa deferência se explica porque éramos as primeiras pacientes dele. Anos mais tarde, freqüentei o mesmo Long Champ com o pessoal da Faap. O lugar tinha virado cult e toda a moçada do cinema costumava ir lá para comentar os filmes cabeça e comer aqueles sanduíches envolvidos em saquinhos de papel.

Os olhos azuis, a pele branca, magra, cabelos castanhos, óculos gatinho, descobri que a minha mãe, Nair Pinto Teixeira, pulava a janela da casa onde morava em Botafogo, Travessa Visconde de Moraes (uma tripinha de rua que sai da São Clemente), no Rio, para namorar meu pai, José Fernando Gonçalves Teixeira.

Portugueses, meus avós maternos, Laurinda dos Santos Pinto e Francisco dos Santos Pinto, não davam mole. Linha dura, deviam fazer marcação serrada. Era como se minha mãe fosse a caçula de três irmãos – Agostinho (nascido em Portugal), Yolanda e Olympio. Eu e meus irmãos convivemos muito com esses tios, que chegaram a morar com a gente, menos o Tio Agostinho. Do tio Olympio tem uma história interessante: ele se casou com a Cida, Maria Aparecida Ferreira da Silva, moça que trabalhava na casa dos meus pais, e teve dois filhos, meu afilhado Fernandinho e o Rodrigo.

Voltando a minha mãe, pela foto no meu porta-retrato acho, suspeita que sou, que ela tinha um ar de Jackeline Kennedy. Vestia roupas básicas, mas elegantes. Também por fotografias amareladas pelo tempo deduzo que, jovem, meu pai gostava de se arrumar. Usava bigode, calça de prega, camisa com a manga enrolada até um pouco acima do cotovelo. Um charme.

Os meus avós portugueses vieram de navio de Portugal (onde tinham terras), especificamente da cidade Marquês de Canavezes direto para o Rio. Primeiro meu avô, depois minha avó, que era da cidade do Porto. Os irmãos do meu avô tinham uma serraria ou uma marmoraria no Rio, minha mãe não se lembra ao certo, e chamaram o irmão Francisco para vir para o Brasil trabalhar com eles. Depois meu avô comprou um táxi. Lembro dele me contar umas histórias interessantes de ter levado em seu carro Carlos Lacerda e Getúlio Vargas.

Já meus avôs paternos eram primos irmãos e cariocas, Carmem Gonçalves da Silva e Jayme Penna Teixeira. Luiz Gonçalves da Silva, pai da minha avó Carmen era médico e quando veio para São Paulo abriu uma fábrica de banheiras, no tempo em que o conde Matarazzo vendia sabão de porta em porta. O vovô Jayme foi trabalhar na fábrica, depois de largar um emprego na Light.

Minha companheira de chope volta do banheiro e eu, à realidade. O resto da história fica para outra vez.
(Fernanda Teixeira)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Surpresa


Almoço com os amigos e parceiros de trabalho Marília Toledo e Kleber Montanheiro (APCA 2008 de direção por Sonhos de uma Noite de Verão) no Planeta´s. A dramaturga e produtora (indicada ao prêmio Shell de melhor autor, ao lado de Marçal Aquino por Amor de Servidão, que re-estreia nos Parlapatões dia 5 de março) e o diretor, figurinista e cenógrafo formam uma dupla das mais quentes do teatro. E vem novidade das boas por aí. Já já ficamos sabendo.
(Fernanda Teixeira)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Leia Talento é um Aprendizado, de Marta Góes

Saí da entrevista com Regina Braga com um presente dado pela própria atriz: sua biografia, assinada pela jornalista e dramaturga Marta Góes, Talento é um Aprendizado, da coleção Aplauso, Imprensa Oficial. Na tarde quente, ela, o ator Rodolfo Vaz e o diretor Moacir Chaves conversaram comigo e com Lígia Azevedo sobre Por Um Fio, numa sala de ensaio na rua Maria Antonia. A peça, baseada no livro homônimo de Dráuzio Varella, estreia aqui em São Paulo no começo de abril, no Teatro Anchieta. Por conta do espetáculo, falamos da perspectiva do tempo, do novo sentido da vida quando deparamos com a proximidade do fim. Ver a vida com outros olhos, saber aproveitar os momentos como se cada instante fosse o mais importante. Foi muito gostoso compartilhar esses assuntos com eles.

Voltando ao livro, devorei-o em dois dias, lembrando de várias situações de nosso encontro. Muito mais que um perfil da atriz Regina Braga, a obra é uma delícia, parece um romance, prende a atenção do começo ao fim. Escrito com o talento e a sensibilidade da Marta Góes, seu ritmo e edição fazem da leitura um grande prazer. Fala nas entrelinhas do aprendizado que vai se transformando em talento, com garra e trabalho sempre. Eu - que já li vários livros dessa coleção – me deixei levar como se num romance. Tenho orgulho de ter sido repórter frila no tempo em que a Marta editava o Caderno 2.

Michel Melamed, o poeta
No dia seguinte, novamente eu e Lígia saímos a campo, dessa vez com a missão de entrevistar o ator carioca Michel Melamed, que chega por aqui no começo de março, também no Sesc Consolação, com o espetáculo Homemúsica. Alto, a pele bronzeada, suor no rosto, chegou esbaforido, direto do aeroporto, vindo do Rio, para nos conhecermos no café bem ao lado do Teatro Sesc Anchieta. (Nossa saída em dupla tem explicação: ando rouca e pego emprestada a delicadeza da Lígia para poupar minhas cordas vocais.)

Entre o simpático e o desconfiado (era nosso primeiro encontro), Michel pareceu mais forte fisicamente que nas cenas de Capitu, minissérie de Luis Fernando Carvalho, no papel de Bentinho e Dom Casmurro. Papo bom, logo percebemos o cara bem-humorado, que, depois de 15 minutos de conversa, já nos deixava muito à vontade. Até brincávamos por conta do convite recebido por ele para desfilar em uma escola de samba que vai homenagear Machado de Assis na Marquês de Sapucaí. Ele não decidira se aceitaria ou não. "É para desfilar semi nu", disparou à queima-roupa, com aquele olhar de poeta urbano, contemporâneo. Quando percebeu que tínhamos acreditado (realmente pensamos que sairia sem camisa), caiu na gargalhada. Se a produtora Bianca não nos chamasse à realidade (eles teriam uma reunião em seguida com o pessoal do Sesc), poderíamos ter ficado jogando conversa fora por um bom tempo. Em casa, fui até a estante e folheei Baudelaire, Ana Cristina Cezar e Rimbaud, ouvindo Cazuza.

*** A propósito, a "culpa" desse belo encontro é da jornalista e dramaturga Célia Forte e das produtoras Cristina Sato e Fernanda Signorini.
(Fernanda Teixeira)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Tributo a Monsueto não é importante?

Depois de 8 anos de redação, hoje transito do outro lado, na Arteplural, uma assessoria de imprensa. De qualquer forma, antes de tudo, sou jornalista, gosto de notícia. Ofereço pautas dos nossos clientes, sempre procurando ficar isenta. Escolhemos trabalhar com assuntos de qualidade que sempre despertem a atenção dos coleguinhas do lado de lá do balcão, alguns deles com quem dividi a mesma redação.

Então, acontece que a cantora Virgínia Rosa acaba de lançar um disco em homenagem a Monsueto. O CD Baita Negão tem participação especial de Martinho da Vila, um dos mais fiéis amigos do artista, e Oswaldinho da Cuíca. As 11 faixas foram produzidas, cada uma, por um produtor diferente: Geraldo Flach, Jair de Oliveira, Dino Barioni, Douglas Alonso, Skowa, Che, Celso Fonseca, Swami Jr. , Quinteto em Branco e Preto, Quinteto da Paraíba e Nailor “Proveta” Azevedo

Capa preta com marca d’água que reproduz um disco de vinil, a apresentação do CD é caprichada. Patrocinado pela Petrobrás, com direção artística e concepção geral de Virgínia Rosa e Fernando Cardoso, produção executiva da Mesa 2 Produções e Selo SESC, o disco é lançado agora, nos 35 anos da morte do sambista (1/11/1924 – 17/2/1973), que transitava por todas as escolas de samba sem ser diretamente vinculado a nenhuma, autor de sambas clássicos como Mora na Filosofia e Me Deixa em Paz.

Como a obra de Monsueto não foi reeditada em CD (Monsueto gravou apenas um LP, Mora na Filosofia dos Sambas de Monsueto, pela Odeon em 1962), esta homenagem ganha valor maior, pois recupera músicas desse sambista, cantor e compositor carioca, que também foi ator (trabalhou no cinema e na tv, onde interpretava o popular personagem Comandante, que lhe valeu o apelido, na TV Rio) e artista plástico (com a pintura primitivista participou de exposição e chegou a ganhar prêmios).

Tem muita gente que não sabe que Monsueto foi autor de canções que se tornaram clássicos da MPB, como Mora na Filosofia (em parceira com Arnaldo Passos), A Fonte Secou (com Marcelo e Raul Moreno) e Me Deixa em Paz (com Ayrton Amorim), algumas delas regravadas: Alaíde Costa gravou Me Deixa em Paz no disco Clube da Esquina, de Milton Nascimento; Caetano Veloso gravou Mora na Filosofia no disco Transa, e muitos outros. Curiosidade: para o CD, o poeta Tiago de Mello refez trecho da letra de Faz Escuro Mas Eu Canto, composta na época da Ditadura.

Gastei todo esse espaço para falar de Monsueto a propósito da resposta de um amigo jornalista de uma importante (e careta na mesma proporção) revista semanal de informação. Especializado em música, conheço-o desde o final dos anos 80, quando eu trabalhava na Folha da Tarde e ele no Notícias Populares, do mesmo Grupo Folha. Depois de encontrá-lo na cantina Nelo's, no fim do ano passado, quando ele me cobrou o disco da Virgínia, liguei para saber se haveria interesse em dar um registro da obra na revista - já que o produto é bom e Monsueto é tudo o que disse lá em cima. Ele simplesmente respondeu que não gostou do disco. Eu acatei e acato, afinal o espaço é dele. Mas fico com a sensação esquisita de que um veículo não pode privar um monte de gente de conhecer quem foi Monsueto apenas por uma questão de gosto de um jornalista.

(Fernanda Teixeira)