por Célia Forte, especial
para o Blog do Dudu
Dia 08 do 08 de 2008 parei de fumar. Porque quis. Porque achei que estava na hora. Porque sei que seria melhor pra minha vida. E porque a data é maravilhosa. Oito do oito do oito, digo orgulhosa. Aí, justamente um ano depois de tal feito, acordo com meu pai dando parabéns, ele que sempre foi um grande incentivador do meu sucesso no quesito tabaco. Filha leia o jornal, veja que País civilizado o nosso. Pessoas denunciando, fiscais por todo lado. Meio dormindo, meio acordada, pego o jornal e, animadíssima, penso que durante esse ano hibernei e o Brasil virou a Suiça. Oba, conseguimos!
Vai ver esses tais fiscais expurgaram do cenário político os calhordas. Pessoas estão denunciando, finalmente. Denunciando o quê? O crime organizado, sequestro, estupro ou desvio de verba? Vai ver os Ministérios conseguiram dar conta da saúde, do saneamento, da educação, moradia, fome, do caos humano. Dignidade para todos os cidadãos. Aquela meia duzia de 50 milhões de pessoas já não vivem mais em estado de pobreza absoluta.
O filho do frentista, que, sem saber, abastece meu carro com gasolina adulterada, conseguiu uma bolsa no Dante. Acabaram as filas desumanas nos hospitais do Oiapoque ao Chuí. Os médicos dos hospitais possuem máscaras e luvas para tratar pacientes com doenças transmissíveis. TODOS os médicos de TODOS os hospitais...hospitais públicos. Putz, nossa, incrível, quanta coisa conseguimos nesse ano e dez quilos a mais que consegui parando de fumar. O quê? Não é possível: Educação para todo e qualquer cidadãozinho, minúsculo cidadãozinho, nascido ou que mora em cima desse solo abençoado por Deus e bonito por natureza!
A população inteira, sem exceção consciente dos riscos da transmissão do HIV e dengue. Essa tal de gripe suina, totalmente erradicada de norte/sul, leste/oeste. Gripe o quê? Ah, já era. Lembro, vagamente, quando até diziam para não ir ao cinema, teatro, show. Sobre transporte coletivo, público ou privado, com gente fungando, tossindo, encoxando, ninguém falava nada. Até achava engraçado essas recomendações... produtor cultural podia falir, empresa pública ou privada não. Ri da piada durante dias. Mas também se bem lembro, assim como nos jogos de futebol, todo mundo que subia num ônibus e metrô entupidos também ganhava uma mascarazinha.
Bem, não lembro direito. Tempos idos...Agora deve estar tudo lindo, pois meu pai, animadíssimo, disse que estava em todos os jornais que só se fala nisso. Pai, nisso o que mesmo? Proibido fumar em tudo que é lugar, disse ele, animado e completou: E quando alguém fuma, tem um montão assim de gente denunciando. E todo o resto, pai? Já está tudo certo? Por que não posso crer que os fumantes passivos morram mais do que todo o resto, todo o resto mesmo, como as pessoas que moram na rua, como as pessoas que atravessam a rua, nos farois, nas motos, nos estádios, de fome, de frio, de pandemia, de falta de amor próprio, de indignação.
Todas essas pessoas já foram informadas e principalmente salvas? Agora só os fumantes passivos morrem esperando um leito sem máscara e luvas nos hospitais? Nossa, ainda bem que não mato mais ninguém há um ano. Ufa! Estamos na Suiça, e agora o Governo tem tempo pra se preocupar com os detalhes, inclusive, acredito, com a quantidade inacreditável de filtro de cigarro na rua, no meio da rua, onde nem toldo tem, porque eles duram séculos e, provavelmente, na próxima enchente entupirão todos os esgotos. E o banido fumante nem vai ter casa para fumar seu horripilante cigarro. A casa terá ido por água abaixo. Claro, vamos todos seguir o exemplo do respeitadíssimo senador Sarney, ou do injustiçado, segundo nosso presidente, senador Collor, e parar de fumar, porque senão centenas de fiscais multarão você, fumante sem vergonha, e outros milhares de cidadãos vão, escondidos, pegar o celular e denunciar você, vilão absoluto dessa história.
Bem, finalmente, pego o jornal e leio a primeira página mostrando o êxito da guerra: 887 estabelecimentos fiscalizados em um único dia, multas em 5%. Nunca vi essa eficiência da Vigilância Sanitária.. .Abaixo, em letras menores, leio, acordando do sonho e indo de encontro ao pesadelo, que Sarney se livra de todas as ações no Conselho de Ética e ainda lá, embaixinho, sobre os números da gripe. Engraçado, está esquentando e da prevenção da dengue, ninguém fala nada. Será que a danada da gripe matou todos os mosquitos? Leio, releio e nada. Fecho o jornal, na verdade amasso o jornal, pego o álcool gel, aperto o botãozinho do elevador, passo gel de novo, querendo matar o vizinho que tossiu a menos de um metro do meu nariz e vou pra calçada em solidariedade aos meus ex-colegas fumantes, os bandoleiros e bodes expiatórios de plantão.
De repente, uma mulher correndo me dá um empurrão...vira-se, pede desculpas e diz que está atrasada para encontrar o marido na cadeia, não queria perder o horário da visita, pois lá, com toda certeza poderá fumar sossegada no pátio, sem a companhia de contraventores. Não falou exatamente contraventor, mas o sentido era esse. Uns três homens atrás de mim, correndo entre baforadas e gritos, imploravam para que os levassem juntos. Pelo que ouvi, preferiam aquela prisão por motivos, do que a que estavam vivendo aqui fora!
Pergunto-me: Será que com conscientização todos ou a esmagadora maioria não acataria normas anti-tabagismo? O governo acredita no fumante como eleitor e não acredita no fumante cidadão? Quero ter peito de dizer no palanque: Recuso-me a receber votos de fumantes. Eles não são confiáveis! Ora, ora, poderiam contratar meu pai pra campanha! Ele confiou em mim. Tenho certeza de que ele conseguiria fazer metade da população fumante parar de fumar só pra não ouvi-lo mais falar na sua orelha. Comigo funcionou e os anjos sejam louvados, senão agora eu seria uma mulher literalmente sem teto e, de uma hora pra outra, banida do convívio com os bons. Só mais uma perguntinha: Será que alguém vai repudiar se encontrar algum Príncipe do Mensalão sentado tranquilamente nos restaurantes pagando a conta com o dinheiro do fumante-contribuinte?
(Célia Forte)