terça-feira, 31 de maio de 2011

Conflito de civilizações tem montagem naturalista e eficaz



Por LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O conflito de civilizações transposto em drama. "Casa/Cabul", do autor norte-americano Tony Kushner, propõe uma reflexão profunda sobre as tensões culturais e políticas entre o Oriente muçulmano e as potências ocidentais. Escrita um pouco antes do ataque às torres gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, e estreada logo depois, a peça se mantém atualíssima na montagem brasileira, com tradução e direção de Zé Henrique de Paula.


O diretor, um dos mais profícuos e talentosos de sua geração, desenvolveu a densa trama de Kushner com simplicidade e eficácia. A história da dona de casa inglesa que, pela leitura de antigos guias de viagem sobre o Afeganistão, acaba revolucionando sua vida e a de sua família mantém-se interessante ao longo das duas horas e meia de encenação.


Se os desempenhos dos intérpretes são irregulares, o espetáculo como um todo é bem-sucedido e tem momentos brilhantes. Particularmente no primeiro terço, a atriz Chris Couto realiza um trabalho primoroso. Como a referida dona de casa, oferece um longo monólogo, perfazendo um arco entre sua curiosidade por aspectos menores da realidade humana até seu arriscado mergulho no Islã.

FACETA TRÁGICA
Também se destaca Amazyles de Almeida como uma bibliotecária de Cabul, espremida entre o fundamentalismo dos talibãs e o rolo compressor da máquina de guerra norte-americana. Ela colabora decisivamente para enfatizar a faceta trágica do texto, bem como valoriza os aspectos amenos. Os atores na pele de personagens caracterizados como afegãos estão todos bem, principalmente o encenador Eric Lenate, surpreendendo como um poeta.


Já dois dos protagonistas, Sérgio Mastropasqua e Kelly Klein, como o marido e a filha da protagonista, têm composições pouco verossimilhantes e comprometem o registro naturalista. São deficiências menores que não comprometem o conjunto. De fato, diante de um texto de grande qualidade dramática, e de um tema crucialmente oportuno, o encenador soube extrair um resultado notável.


No teatro de ideias de Kushner, em que o debate de teses contraditórias subjaz às ações narradas, "Casa/Cabul" é uma contundente exploração do confronto Oriente/Ocidente. Como tal, reafirma a vocação da poesia dramática em tratar os temas centrais de nossa era.

CASA/CABUL

QUANDO sex. e sáb, às 21h, e dom., às 18h; até 12/6
ONDE Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579; tel. 2971-8700)
QUANTO de R$ 5 a R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom

Foto: Lenise Pinheiro
Os atores Eric Lenate e Kelly Klein em cena de ‘Casa/Cabul’, texto de Tony Kushner com direção de Zé Henrique de Paula

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