quinta-feira, 7 de abril de 2011

Os Homens de Chico


Na chegada, mesmo apressada, mesmo atrasada, deu tempo de perceber a descontração da arquitetura do lugar, feito que como para unir, reunir, religar. Foi como dar um tchau a alguém no trem que está saindo. Não dava para deixar de fazer, mesmo com o tempo exíguo. Lá dentro, já sentada no auditório, foi em meio a uma atmosfera elegante, aconchegante, a uma penumbra onde se anteviam três cadeiras e duas fileiras de músicos ladeando-as, que surgiu a primeira voz. “Eis o malandro na praça outra vez...” Era Renan Barbosa cantando as primeiras linhas da música que abria o show idealizado por ele, Os homens de Chico, em sua noite de estreia, no Sesc Pompeia, em São Paulo, nesta quinta-feira, 31 de março. “Caminhando na ponta dos pés...” entra Fabio Cadore, dando continuidade à canção. “Como quem pisa nos corações”, surge Marcelo Quintanilha. Os três ocupam seus lugares no palco, suas cadeiras, envergando elegantes ternos (assinados pelo estilista Ricardo Almeida) e bonitos chapéus, reafirmando o malandro brasileiro fincado no imaginário popular. Ao fim do primeiro número, o trio já tinha deixado sua assinatura na obra, marcado seu estilo, definido a linha que seguiria, sem que isso significasse que deixaria de surpreender. Não. A magia de uma nova forma de entoar uma nota, o ineditismo de um arranjo, o apuro de um gesto, a força de um olhar, a sutileza de uma sentença cantada, tudo isso permeou o show, cativou o público, que retribuía sempre, com gritos, palmas e que, ao final, se levantou para reverenciar os artistas. Mas o final ainda demoraria. Por mais vinte músicas depois de A volta do malandro, Renan, Fábio e Marcelo, juntos, em duplas, individualmente, mostraram o repertório que buscou no Chico tão reconhecidamente uno ao feminino, figuras, sentimentos, personas masculinos. Foram pródigos nos achados. O repertório trazia desde mais conhecidas como Construção, passando pelas crivadas pelo tom político como Acorda amor e Meu caro amigo, até as festivas como Feijoada completa. Presenteou o público com a marota e menos conhecida Juca. Quintanilha, mais farto nos gestos, meio rapper, meio sambista, brincou, divertiu-se. Cadore com sua voz aveludada levou a música, em seus solos, para direções novas e inesperadas e isso foi muito bom, e Barbosa, mostrando brilhantismo em tom mais recatado e dramático, fez-se conhecer, notadamente nos solos. As cadeiras continuaram sendo o encosto para interpretações que, por vezes, se aproximaram de encenações, perfeitas e bem colocadas, vale dizer, como em Mano a mano, promovidas pela direção cênica de Luis de Tolledo. Unindo, sem jamais mostrar o mínimo sinal de desvio, esteve uma banda de atuação pungente. O trabalho do maestro Dino Barioni foi perfeito.


Promoveu arranjos corajosos, para quem corria o risco de apenas fazer mais do mesmo, deu oportunidade a cada instrumento e, conseqüentemente, a cada músico, de se sobressair, com sutileza. Deu a chance para que juntos não gritassem, fizessem uma cama macia – dessas em que se quer pular alto – em que deitaram e rolaram as vozes dos cantores. A percussão foi retumbante com seus tambores em Minha história. O piano silenciou a noite em Samba e amor, os sopros arejaram Samba do grande amor, o baixo acústico deu um tom que não podia ser outro em Valsinha, o violão fez sorrir suas cordas em Choro bandido, exemplos que estou só contando que é para lhe dar água na boca. É daquelas ocasiões em que o menos é mais. Em que a cenografia de Valdy Lopes Jn fez suas cadeiras, ponto da marcação, se transformarem em tronos, em que o desenho e a operação de luz de Luis de Tolledo e equipe Sesc, respectivamente, viraram holofotes sem deixar de ser acertados focos. A sonorização de Francisco de Assis e técnicos do Sesc possibilitou que a noite soasse tão bem aos ouvidos. É daquelas ocasiões em que a arte nos toma como o único remédio. Em que a gente quer compartilhar, dividir, recomendar, fazer com que todos os queridos tenham o mesmo deleite. Mas como disse uma pessoa da plateia, lá fora, ao final: “está esgotado para as próximas sessões”. Resta o desejo para que outras casas, outras pessoas, outras cidades ofereçam a todos, sem distinção de gênero, Os homens de Chico. Créditos -Renato Rocha - fotos do show Crônica da jornalista Waleska Barbosa

publicada também no http://www.venhaconheceravida2.blogspot.com/

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