segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Em seu quarto Nelson Rodrigues, Grupo Gattu provoca amor à primeira visita



SÃO PAULO – Com 10 anos de intensas atividades, desde sempre sob a direção da culta e talentosa Eloisa Vitz,  mestra na arte paradoxal de mesclar cartesianismo  e os devaneios da paixão, o Grupo Gattu (sobrinho involuntário do tiozão  TAPA) comemora sua 11ª encenação (a quarta de textos rodriguianos com A Serpente).
Com bom conceito por parte de um setor da crítica (o mais antenado) e de um público fiel (ainda reduzido, como nos tempos heróicos do TAPA ), a jovem diretora e sua numerosa e  empenhada equipe não conseguem esconder a perplexidade. Motivo: a “classe teatral” teima em se manter alheia aos belos frutos da rotina de 30 horas semanais de preparo das técnicas teatrais a que o conjunto se impôs nesse tempo todo de caminhada.
Para enfrentar os desafios da modernidade de encenação de um texto, o Grupo continua dedicando-se  às técnicas corporais, da dança, da voz, do canto, da música, das artes plásticas e agora, para A Serpente,  também da yôga e da circense corda bamba .
Fica, então, a critério de cada um do meio teatral aliviar essa constrangedora situação, alimentada, talvez, pela serpente do ciúme para com os  eleitos das musas.
A Serpente causa taquicardia e vertigens
Nelson Rodrigues escreveu A Serpente dois anos antes de falecer, com aquela postura narrativa hiperbólica que durante toda a vida o precipitou no redemoinho das polêmicas. Os personagens rodrigueanos invariavelmente espelhavam o avesso da classe média, segundo ele, mentirosa, dissimulada, preconceituosa, de erotismo voluptuoso além das religiões e do bom senso, um poço de defeitos, enfim.

Podemos não concordar totalmente com o autor na visão apocalíptica da realidade, colocada no palco com palavras candentes, diálogos lapídeos (que remetem à natureza da pedra) e ação vertiginosa serpenteando por vários locais com a leveza do cinema. Mas temos que reconhecer, aplaudir e reverenciar seu colossal instinto cênico. Nenhum autor, desde então, conseguiu tamanha e perene façanha no imaginário do brasileiro com o mínimo de informação cultural.
Deixemos o enredo por conta das surpresas contundentes  armadas  pelo próprio autor. Podemos adiantar que a direção de Eloisa Vitz consegue a façanha de tornar aquela sucessão de corpos que se atracam (não há poesia no sexo da mente rodrigueana) em pulsante estética de grandeza trágica, apolínea. O realismo fantástico perseguido confessadamente pela diretora é emoldurado por iluminação de cores sombrias e música pesada, com um grande achado: o do cenário móvel de escadas tortuosas, que obriga os atores a representar caminhando perigosamente como se fosse em corda bamba, daí a sensação de  vertigem provocada no público.Há ainda momentos de belíssimos efeitos  dramáticos com a alternância do ritmo  dos movimentos dos  personagens em confronto físico.

No reduzido elenco, na pele de Ligia, a irmã casada virgem, brilha Daniela Rocha Rosa, de perturbadora  sensualidade e  assustadora entrega aos descaminhos eróticos, nessa que marcou a derradeira transgressora da antológica galeria  feminina rodrigueana.

Não menos intensos são os desempenhos da Eloisa Vitz (a irmã bem casada) e de Elam Lima (de Boca de Ouro, onde foi impressionante na medida da imaginação desmesurada de Nelson Rodrigues,  penúltima montagem do Gattu). Diogo Pasquim (o marido falsamente impotente) e Laura Vidotto (a empregada crioula das “ventas triunfais”) também se entregam às coreografias eróticas com aquele equilíbrio que se espera dos bons fingidores, que ambos são.
Parafraseando Maria Lúcia Candeias, nossa colega de site e a crítica mais constante nas estreias, diante do que lhe parece deslumbrante vindo de um palco:  é conhecer o Gattu e  “morrer de paixão”
SERVIÇO:
A SERPENTE / Teatro Gil Vicente (dentro da Uniban) / Avenida Rudge, 315, Campos Elíseos/ fone 3618-9014/155 lugares / sábado 21 h e domingo 20h/ R$ 30,00/ 70 minutos/ 16 anos/ até 18 de dezembro. Sobre estacionamento ao lado informar-se na portaria da  Uniban  ou pelo telefone a partir de 2 horas antes da sessão.

Por Afonso Gentil, especial para o Aplauso Brasil

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