Domingo à noite. Volta pra casa de um café com amigos. Um atravessar de esquina em um bate-papo descontraído dá lugar a um choque: do outro lado da rua, um casal de garotos é assaltado por uma gangue meninos de rua. São cerca de seis, por volta de seus cinco anos de idade – o mais velho não deve passar dos oito. Cercam o casal, um deles com uma faca de açougue na mão, 15 centímetros de lâmina pra menos do que isso de mãos. O casal olha o grupo de amigos, aponta, diz algo aos meninos. Reação instantânea: fugir. Alguém grita: corre! Os quatro amigos saem correndo, um deles ainda olha pra trás, ver o que há. Tropeça em seus pés e cai, mas o instinto faz levantar rápido e continuar correndo.
Chegar em casa. Insônia. Pensando nessas crianças, pensando no casal. Pensando se eles apontaram para pedir ajuda ou mostrar aos meninos novas vítimas para se livrarem e fugir. Pensando até onde foi a faca.
Na segunda, procurar as notícias no jornal, para ver se não há nenhuma a respeito. Nada. Bom sinal? Como saber?... Saldo total: um joelho ralado e uma calça rasgada na queda. (Alguém ainda lamentou a calça, mas são muitos, e muito além daquele, os lamentos.) A calça vai ser guardada, para lembrar os olhos. E vão lembrar: os meninos, a faca, o casal. Impotência. Dúvida. Indignação. Na hora H o que predomina é o medo, e o impulso de fugir. O que poderia ser feito? Impotência. Dúvida. Indignação. E uma sensação de ridículo pela única coisa que se vai fazer efetivamente a respeito: comprar um par de tênis para correr melhor da próxima vez.
(Ligia Azevedo)
Chegar em casa. Insônia. Pensando nessas crianças, pensando no casal. Pensando se eles apontaram para pedir ajuda ou mostrar aos meninos novas vítimas para se livrarem e fugir. Pensando até onde foi a faca.
Na segunda, procurar as notícias no jornal, para ver se não há nenhuma a respeito. Nada. Bom sinal? Como saber?... Saldo total: um joelho ralado e uma calça rasgada na queda. (Alguém ainda lamentou a calça, mas são muitos, e muito além daquele, os lamentos.) A calça vai ser guardada, para lembrar os olhos. E vão lembrar: os meninos, a faca, o casal. Impotência. Dúvida. Indignação. Na hora H o que predomina é o medo, e o impulso de fugir. O que poderia ser feito? Impotência. Dúvida. Indignação. E uma sensação de ridículo pela única coisa que se vai fazer efetivamente a respeito: comprar um par de tênis para correr melhor da próxima vez.
(Ligia Azevedo)
Um comentário:
A indignação e a impotência são os sentimentos que inundam o coração, vazio e acelerado depois de um susto desses. Fico pensando em você, tão delicada, tão especial... passando por uma situação assim. A violência é mesmo uma droga pesada.beijinho.
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