Depois de temporada em Portugal, em abril, o texto vencedor do 2º Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antonio José Silva, The Cachorro Manco Show, de autoria de Fábio Mendes, estreia na Unidade Provisória do SESC Avenida Paulista dia 24 de abril, sexta-feira, às 20h30 no Espaço Décimo Andar. O monólogo, inspirado nos sermões do Padre António Vieira, é um discurso, quase uma pregação, proferido por um mendigo/cachorro manco que tenta convencer, a qualquer custo, que merece ganhar abrigo e comida na casa de algum dono.
Com pitadas de humor ácido, o texto instigante sobre o universo dos outsiders, dos excluídos, venceu o 2º Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antonio José Silva. O monólogo com Leandro Daniel Colombo é protagonizado por um mendigo/cachorro manco que implora por “ração em troca de sua narração”. O espetáculo reúne, ainda, de maneira divertida, trechos de sermões do Padre Antônio Vieira
Interpretado por Leandro Daniel Colombo, esse homem-cão, com roupa rota e microfone em punho – como numa stand-up comedy – pede ração por sua narração, atravessa momentos históricos, tem um discurso afiado e se inspira nos sermões do Padre António Vieira, refletindo sobre o Brasil e Portugal. A direção é de Moacir Chaves (que também está dirigindo Por Um Fio, com Regina Braga e Rodolfo Vaz, baseado no livro de Dráuzio Varella).
Centenas de textos concorreram ao Prêmio Luso-Brasileiro, realizado pela Funarte e pelo Instituto Camões em torno da obra do Padre António Vieira, e o vencedor, Fábio Mendes, teve o espetáculo financiado pelas duas instituições, com temporadas no Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília. Entre os dias 8 e 19 de abril, será a vez do público português receber The Cachorro Manco Show, em cartaz no Teatro Dona Maria, em Lisboa. O autor recebeu 15 mil euros pelo prêmio, que incluiu ainda a edição do livro The Cachorro Manco Show, lançado em novembro de 2008 na temporada carioca do espetáculo.
A criação do texto
Antes de sua estreia na dramaturgia, com Um Homem Chamado Lee, Fábio Mendes trabalhou como ator com Antunes Filho e Gerald Thomas: "Tinha ideia de fazer uma peça que fosse uma espécie de Forrest Gump, com um cachorro atravessando várias encarnações, tendo vários donos”, explica Fábio. Assim, quando soube do Prêmio Luso-Brasileiro, criou esse cachorro com jeito de mendigo, que faz um show dele mesmo para tentar entrar na casa de uma pessoa ou pedir um prato de comida.
Para conferir maior veracidade ao texto, o dramaturgo conversou com mendigos de São Paulo: “Uma noite, saindo de um bar na região dos Jardins, encontrei um morador de rua e começamos a conversar. Ele era formado em Letras pela USP e muito consciente de sua condição”, conta Fábio. “Eu usei muito de suas falas na peça, como quando comenta que o pior de morar na rua é a intuição de que algo ruim vai acontecer”. Além disso, o autor também se inspirou no caso de um mendigo que invadiu a Catedral da Sé, durante a missa de celebração do Dia do Trabalho, gritando “Mata eu, São Paulo, eu não quero morrer de fome!”. Todos esses elementos colaboram para construir um discurso em que a infelicidade pessoal é indissociável da injustiça social.
Dos vários sermões de Vieira utilizados por Fábio, destacam-se O Amor Fino, o Sermão de Quarta-Feira de Cinzas e o Sermão do Bom Ladrão. “Mesclei vários trechos desses sermões com o discurso do cachorro. Foi interessante misturar textos de 400 anos com algo contemporâneo nessas falas sujas e repletas de humor ácido do personagem”, explica Fábio. Quanto à adaptação da linguagem dos sermões, o dramaturgo afirma que o trabalho de edição foi mínimo: “Tirei as partes em latim, mas editei pouco. As falas do Padre Vieira são extremamente contemporâneas. Quando vejo alguém de 18, 20 anos rindo de coisas ditas há quatro séculos, acho maravilhoso. Parte do objetivo da peça é mostrar para os jovens, de maneira divertida e prazerosa, o pensamento de Vieira”.
O personagem e a marginalidade
Na figura do cachorro manco, que atravessa diferentes épocas e tem vários donos, o espetáculo aborda a questão da marginalidade, dos outsiders: “É um texto muito instigante acerca do universo dos excluídos. E alude à situação de quem faz teatro também. Nós nos identificamos muito facilmente com essas figuras, sempre à margem", avalia o diretor Moacir Chaves. O autor complementa: “O personagem é muito ácido, então ele tira sarro dos excluídos ao longo da história, dos índios e negros na época da colonização, todos que o Padre defendia. E, mais contemporâneo, dos sem-teto. Ele, por ser um excluído também, pode dizer essas coisas, fazer piadas com o tema”.
Moacir Chaves afirma, ainda, que o personagem não é um mendigo. Não é um cachorro, tampouco. É um ser de teatro, que absorve referências históricas, literárias, culturais, cotidianas, e as devolve em um fluxo verborrágico poderoso. “Na sua figura de pedinte, evoca a linhagem dos atores, situados à margem, sempre na estrada, sempre pleiteando, implorando por condições para exercer sua arte, a única coisa que importa. A um nobre, a um burocrata, a um gerente de marketing”, complementa.
Na encenação, explica ainda o diretor, importa não perder o fluxo, trabalho árduo para o ator, que exige dedicação, treinamento, preparo físico e mental, tarefa a ser realizada a cada apresentação. “As dinâmicas que moldam este jorro afirmam o momento presente em que aquilo acontece perante os espectadores. Os intervalos sonoros são silêncio pleno de movimento. O cérebro não para de absorver, mesmo quando se cala. Nada se interrompe. A presença do ator em cena, que se impõe de maneira resoluta, paradoxalmente aponta para o impalpável. Nada pode ser retido. Somos ilusão, aparência, fantasmagoria. Algumas marcas ficarão, como as muletas. Mas não por muito tempo”, complementa.
O ator Leandro Daniel Colombo explica a composição do personagem: "A marca do personagem é o comportamento animal, permissivo, que é descoordenado, uiva, chora, mostrando seu desequilíbrio. Me agrada muito este tipo de desafio. Transformar isso num sermão é altamente interessante, divertido. É um riso constrangido, toca fundo em feridas, ele pode fazer isso por ser excluído", diz.
(Caroline Carrion)
Com pitadas de humor ácido, o texto instigante sobre o universo dos outsiders, dos excluídos, venceu o 2º Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antonio José Silva. O monólogo com Leandro Daniel Colombo é protagonizado por um mendigo/cachorro manco que implora por “ração em troca de sua narração”. O espetáculo reúne, ainda, de maneira divertida, trechos de sermões do Padre Antônio Vieira
Interpretado por Leandro Daniel Colombo, esse homem-cão, com roupa rota e microfone em punho – como numa stand-up comedy – pede ração por sua narração, atravessa momentos históricos, tem um discurso afiado e se inspira nos sermões do Padre António Vieira, refletindo sobre o Brasil e Portugal. A direção é de Moacir Chaves (que também está dirigindo Por Um Fio, com Regina Braga e Rodolfo Vaz, baseado no livro de Dráuzio Varella).
Centenas de textos concorreram ao Prêmio Luso-Brasileiro, realizado pela Funarte e pelo Instituto Camões em torno da obra do Padre António Vieira, e o vencedor, Fábio Mendes, teve o espetáculo financiado pelas duas instituições, com temporadas no Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília. Entre os dias 8 e 19 de abril, será a vez do público português receber The Cachorro Manco Show, em cartaz no Teatro Dona Maria, em Lisboa. O autor recebeu 15 mil euros pelo prêmio, que incluiu ainda a edição do livro The Cachorro Manco Show, lançado em novembro de 2008 na temporada carioca do espetáculo.
A criação do texto
Antes de sua estreia na dramaturgia, com Um Homem Chamado Lee, Fábio Mendes trabalhou como ator com Antunes Filho e Gerald Thomas: "Tinha ideia de fazer uma peça que fosse uma espécie de Forrest Gump, com um cachorro atravessando várias encarnações, tendo vários donos”, explica Fábio. Assim, quando soube do Prêmio Luso-Brasileiro, criou esse cachorro com jeito de mendigo, que faz um show dele mesmo para tentar entrar na casa de uma pessoa ou pedir um prato de comida.
Para conferir maior veracidade ao texto, o dramaturgo conversou com mendigos de São Paulo: “Uma noite, saindo de um bar na região dos Jardins, encontrei um morador de rua e começamos a conversar. Ele era formado em Letras pela USP e muito consciente de sua condição”, conta Fábio. “Eu usei muito de suas falas na peça, como quando comenta que o pior de morar na rua é a intuição de que algo ruim vai acontecer”. Além disso, o autor também se inspirou no caso de um mendigo que invadiu a Catedral da Sé, durante a missa de celebração do Dia do Trabalho, gritando “Mata eu, São Paulo, eu não quero morrer de fome!”. Todos esses elementos colaboram para construir um discurso em que a infelicidade pessoal é indissociável da injustiça social.
Dos vários sermões de Vieira utilizados por Fábio, destacam-se O Amor Fino, o Sermão de Quarta-Feira de Cinzas e o Sermão do Bom Ladrão. “Mesclei vários trechos desses sermões com o discurso do cachorro. Foi interessante misturar textos de 400 anos com algo contemporâneo nessas falas sujas e repletas de humor ácido do personagem”, explica Fábio. Quanto à adaptação da linguagem dos sermões, o dramaturgo afirma que o trabalho de edição foi mínimo: “Tirei as partes em latim, mas editei pouco. As falas do Padre Vieira são extremamente contemporâneas. Quando vejo alguém de 18, 20 anos rindo de coisas ditas há quatro séculos, acho maravilhoso. Parte do objetivo da peça é mostrar para os jovens, de maneira divertida e prazerosa, o pensamento de Vieira”.
O personagem e a marginalidade
Na figura do cachorro manco, que atravessa diferentes épocas e tem vários donos, o espetáculo aborda a questão da marginalidade, dos outsiders: “É um texto muito instigante acerca do universo dos excluídos. E alude à situação de quem faz teatro também. Nós nos identificamos muito facilmente com essas figuras, sempre à margem", avalia o diretor Moacir Chaves. O autor complementa: “O personagem é muito ácido, então ele tira sarro dos excluídos ao longo da história, dos índios e negros na época da colonização, todos que o Padre defendia. E, mais contemporâneo, dos sem-teto. Ele, por ser um excluído também, pode dizer essas coisas, fazer piadas com o tema”.
Moacir Chaves afirma, ainda, que o personagem não é um mendigo. Não é um cachorro, tampouco. É um ser de teatro, que absorve referências históricas, literárias, culturais, cotidianas, e as devolve em um fluxo verborrágico poderoso. “Na sua figura de pedinte, evoca a linhagem dos atores, situados à margem, sempre na estrada, sempre pleiteando, implorando por condições para exercer sua arte, a única coisa que importa. A um nobre, a um burocrata, a um gerente de marketing”, complementa.
Na encenação, explica ainda o diretor, importa não perder o fluxo, trabalho árduo para o ator, que exige dedicação, treinamento, preparo físico e mental, tarefa a ser realizada a cada apresentação. “As dinâmicas que moldam este jorro afirmam o momento presente em que aquilo acontece perante os espectadores. Os intervalos sonoros são silêncio pleno de movimento. O cérebro não para de absorver, mesmo quando se cala. Nada se interrompe. A presença do ator em cena, que se impõe de maneira resoluta, paradoxalmente aponta para o impalpável. Nada pode ser retido. Somos ilusão, aparência, fantasmagoria. Algumas marcas ficarão, como as muletas. Mas não por muito tempo”, complementa.
O ator Leandro Daniel Colombo explica a composição do personagem: "A marca do personagem é o comportamento animal, permissivo, que é descoordenado, uiva, chora, mostrando seu desequilíbrio. Me agrada muito este tipo de desafio. Transformar isso num sermão é altamente interessante, divertido. É um riso constrangido, toca fundo em feridas, ele pode fazer isso por ser excluído", diz.
(Caroline Carrion)
Um comentário:
Parece ser ótimo, até porque o Padre Antonio Vieria foi um escritor de primeira grandesa. Sucesso aí prá todos!
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