Texto Fernanda Teixeira
Fotos Adriana Balsanelli
Era uma tarde de sábado de 1990 quando a pedagoga, também formada em Serviço Social, Maria Luiza Augusto Martins foi medida dos pés à cabeça ao entrar no sobrado de número 770 da rua Major Diogo, na Bela Vista. “Aceita um café?” A dona da casa, Brenda Lee (nascida Cícero Caetano Leonardo em 1948, em Pernambuco, e assassinada em 1996, em São Paulo), e sua amiga Edna (travesti, figura folclórica do Largo do Arouche), se entreolhavam e a visita entender estar sendo analisada. “Você foi aprovada porque tomou cafezinho na nossa xícara.”
Hoje diretora presidente da Casa de Apoio Brenda Lee (desde 2006), naquele momento a paulista da Mooca Maria Luiza estava sendo aceita como voluntária pela militante transexual dos direitos dos homossexuais, conhecida inicialmente por Caetana e que chegou a São Paulo aos 14 anos, tornado-se figura festejada do bairro do Bixiga.
“Brenda era alegre, divertida, andava com um salto alto enorme, usava sempre tailleurs, grandes brincos e preferia frasqueiras a bolsas. Tinha duas covinhas lindas, uma mulher sem papas na língua, devota de Nossa Senhora Aparecida, que investiu tudo nesta casa”, conta Maria Luiza, sorridente, dizendo ter tido a felicidade de conviver com Brenda Lee por seis anos. Maria Luiza ficou encantada quando esteve na casa pela primeira vez: “Eram hilariantes as figuras que aqui estavam”.
Pintada de cor salmão, vizinha do cabeleireiro Maison Hair, da lanchonete Raro Sabor, de uma sapataria e uma oficina mecânica, a Casa de Apoio Brenda Lee foi oficialmente regulamentada em 1992, quando recebeu CNPJ. É reconhecida como de utilidade público nos âmbitos municipal, estadual e federal, e está inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social.
É mantida em parte pelo Ministério da Saúde, que repassa verba para o Município, que por sua vez repassa às Casas de Apoio Tipo 1, responsáveis por cuidar de pessoas necessitadas, garantir sua reinserção social e adesão ao tratamento das doenças – Aids, Hepatite e outras sexualmente transmissíveis.
De acordo com Maria Luiza, 90% das pessoas que chegam à casa estão em situação de rua, sem documentos. Os hospitais que possuem serviço de infectologia (Emílio Ribas, Incor etc) nos encaminham as pessoas “Providenciamos o processo de resgate da cidadania, tirando todos os documentos, até certificado de reservista. A casa arca com despesas de condução (“para eles não perderem as consultas”) até chegar o bilhete único. Dependendo do histórico da doença, a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) concede aos HIV + o benefício de um salário mínimo.
Gabriela (Luiz Gonzaga de Amarin Júnior) é um dos casos de reintegração. Depois de morar 2 anos na casa, vindo do Hospital Saboia, onde se tratava de tuberculose, atualmente é responsável por cuidar do brechó, que funciona em espaço na frente da casa. “Ela é uma vencedora, hoje aluga um quartinho no bairro”, orgulha-se Maria Luiza, completando: “Era dependente de álcool e drogas e agora veste a camisa da casa”.
Com poucos sócios mantenedores, a casa valoriza seu brechó, que aceita roupas, sapatos e até eletrodomésticos, tudo em bom estado – seu funcionamento é das 8 às 11h e das 12 às 16 horas. Também são realizados eventos com renda revertida para a Casa Brenda Lee, como o musical Berlioz de canto lírico e evento da boate Blue Space, em parceria com Nany People, Salete Campari e Silvete Montilla, ambos realizados anualmente.
Iniciativa pioneira em São Paulo, a Casa de Apoio Brenda Lee foi ainda a primeira que recebeu mantimentos do Camarote Solidário, realizado pela jornalista Roseli Tardelli, Editora Executiva da Agência de Notícias da Aids. Anualmente, a Agência promove uma confraternização de Natal com os pacientes. O restaurante Rubayat cede a ceia e todos almoçam juntos, com música, show de drags.
Travestis, homossexuais e homens, na maioria, formam o público que pede acolhimento na Casa Brenda Lee. Aretha é um destes moradores. Vinda de São José do Rio Preto, está em tratamento de Hepatite na casa desde janeiro deste ano. “Quarentona, minha meta é ficar aqui até o final do ano”, conta, comunicativa (“vai ter foto?”), blusinha regata, cabelos alisados, os olhos negros redondos. André Fernandes Nunes na carteira de identidade, a taurina de 18 de maio, que adora dance music (“mas não desfaço de um forró ou axé”), faz o seu lazer. “Dou umas voltinhas, gosto de ir na igreja e adoro andar de metrô,pra lá e pra cá.”
Sobre Brenda Lee
Brenda Lee comprou a casa na Rua Major Diogo, 779 e acolheu o primeiro portador do vírus HIV em 1984, numa época de desinformação e preconceito, quando até os familiares rejeitavam quem tinha Aids. Naqueles tempos não havia infraestrutura para acolher quem recebia alta hospitalar e não tinha onde morar. A Casa de Apoio Brenda Lee, também conhecida como Palácio das Princesas, foi instituída formalmente em 1988 para abrigar homossexuais e portadores de HIV rejeitados por parentes e também com o objetivo de dar assistência médica, social, moral e material, fossem eles travestir ou não.
No dia 28 de maio de 1996 Brenda foi brutalmente assassinada com um tiro na boca e outro no peito e seu corpo foi encontrado mais tarde dentro de uma Kombi em um terreno baldio.Sua missa de corpo presente — realizada pelo padre Júlio Lancellotti, representando o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns — foi rezada na sede da casa de apoio. Brenda era considerada o “anjo da guarda dos travestis” e tinha como objetivo ajudar a todos, doentes ou não, que eram discriminados pela sociedade.
O trabalho de Brenda tornou um referencial e um marco importante. Em 21 de outubro de 1988 foi instituído o prêmio Brenda Lee concedido quinquenalmente para sete categorias por ocasião das comemorações do Dia Mundial de Combate à Aids e aniversário do Programa Estadual DST/Aids do Estado de São Paulo.
Casa de Apoio Breenda Lee – 11. 3112-1384. Rua Major Diogo, 779, Bela Vista, CEP 01324001 SPaulo/ Capital. casabrendalee@gmail.com