O amarelo dos azulejos da parede e o vinho do estofado das cadeiras e bancos do balcão do Frevinho (quando eu e meus irmãos éramos garotos, adorávamos tomar ice cream soda e comer beirutinho lá) acionaram o mecanismo de volta ao tempo na minha memória.
Minha mãe conta que, grávida de mim, costumava tomar baldes de suco de laranja. Recém-casados, ela e meu pai moravam na esquina das ruas Augusta e Antônio Carlos, pertinho dos cinemas Majestic e Picolino e em frente à lanchonete Long Champ, lugar bacana, decorado com motivos equestres. Era só atravessar a rua para o suco de cada dia, entre uma e outra mesa de pôquer, porque minha mãe adorava uma jogatina, era craque no baralho. Tanto que algumas vezes saiu da mesa de jogo direto para a maternidade.
Nessa época, ela cortava o cabelo no Jamber, que ficava embaixo do nosso apartamento. Com uns 6 anos, lembro de nosso dentista, Dr Brink, nos levar para casa depois de uma consulta – o consultório dele ficava na Augusta também - em seu Karman Ghia vermelho. Essa deferência se explica porque éramos as primeiras pacientes dele. Anos mais tarde, freqüentei o mesmo Long Champ com o pessoal da Faap. O lugar tinha virado cult e toda a moçada do cinema costumava ir lá para comentar os filmes cabeça e comer aqueles sanduíches envolvidos em saquinhos de papel.
Os olhos azuis, a pele branca, magra, cabelos castanhos, óculos gatinho, descobri que a minha mãe, Nair Pinto Teixeira, pulava a janela da casa onde morava em Botafogo, Travessa Visconde de Moraes (uma tripinha de rua que sai da São Clemente), no Rio, para namorar meu pai, José Fernando Gonçalves Teixeira.
Portugueses, meus avós maternos, Laurinda dos Santos Pinto e Francisco dos Santos Pinto, não davam mole. Linha dura, deviam fazer marcação serrada. Era como se minha mãe fosse a caçula de três irmãos – Agostinho (nascido em Portugal), Yolanda e Olympio. Eu e meus irmãos convivemos muito com esses tios, que chegaram a morar com a gente, menos o Tio Agostinho. Do tio Olympio tem uma história interessante: ele se casou com a Cida, Maria Aparecida Ferreira da Silva, moça que trabalhava na casa dos meus pais, e teve dois filhos, meu afilhado Fernandinho e o Rodrigo.
Voltando a minha mãe, pela foto no meu porta-retrato acho, suspeita que sou, que ela tinha um ar de Jackeline Kennedy. Vestia roupas básicas, mas elegantes. Também por fotografias amareladas pelo tempo deduzo que, jovem, meu pai gostava de se arrumar. Usava bigode, calça de prega, camisa com a manga enrolada até um pouco acima do cotovelo. Um charme.
Os meus avós portugueses vieram de navio de Portugal (onde tinham terras), especificamente da cidade Marquês de Canavezes direto para o Rio. Primeiro meu avô, depois minha avó, que era da cidade do Porto. Os irmãos do meu avô tinham uma serraria ou uma marmoraria no Rio, minha mãe não se lembra ao certo, e chamaram o irmão Francisco para vir para o Brasil trabalhar com eles. Depois meu avô comprou um táxi. Lembro dele me contar umas histórias interessantes de ter levado em seu carro Carlos Lacerda e Getúlio Vargas.
Já meus avôs paternos eram primos irmãos e cariocas, Carmem Gonçalves da Silva e Jayme Penna Teixeira. Luiz Gonçalves da Silva, pai da minha avó Carmen era médico e quando veio para São Paulo abriu uma fábrica de banheiras, no tempo em que o conde Matarazzo vendia sabão de porta em porta. O vovô Jayme foi trabalhar na fábrica, depois de largar um emprego na Light.
Minha companheira de chope volta do banheiro e eu, à realidade. O resto da história fica para outra vez.
(Fernanda Teixeira)
5 comentários:
adorei, adorei, adorei !!!!!!
fazia muito tempo que eu não entrava. fiquei mais fã ainda
besos.
Que delícia esse mergulho no tempo... e que bom saber que a dona Nair pulava o muro para namorar.
Parabéns, Fê.
isso que chamo de saudosismo clássico e descrito com toques e requintes de criatividade!
adorei sua viagem ao tempo (consegui visualizar toda a fotografia)
abraços
Valeu, renatinha!
Pulava, sim. Mas não deixou de me controlar, hehehe.
Postar um comentário