Faço finalmente o meu primeiro – e bem tardio – post nesse blog. Depois de mil temas pensados – uns três começados e não terminados – decidi aproveitar o post da Fernanda, e dar também meu comentário sobre o tema do Oriente Médio. E acho que, no final das contas, pode ser uma bela introdução também sobre mim mesma.
Tenho amigos muçulmanos, palestinos cristãos, descendentes de judeus e árabes no Brasil. E também, como muitos brasileiros, tenho um sangue mesclado: um sobrenome de novos cristãos, um pezinho na Andalucía – terra onde essas duas culturas têm convivido lado a lado por anos, e algumas feições que já me renderam conversas pouco entendidas, por ser confundida com uma árabe mas não saber nada da língua.
Na noite passada, fiquei por horas ouvindo comentários dos mais variados lados sobre o conflito em Gaza. Minha amiga palestina diz que é um genocídio o que se está fazendo com os palestinos. Um amigo libanês declara seu repúdio a Israel e me dá um longo comentário de como a ação israelense está sendo desproporcional. O outro amigo judeu conta da reunião da comunidade para discutir o que os judeus daqui fariam a respeito. Da sensação de haver um ataque da mídia sempre ferrenho a Israel, e da necessidade de se manter o apoio ao país – embora meu próprio amigo tivesse mais dúvidas do que respostas, e algumas críticas a seus pares.
Me perguntaram: mas você ainda tem dúvidas de que lado está? Respondo que estou do lado da moderação dos dois lados. Dizem que isso é estar em cima do muro. Acho que não. E inclusive acho que é o lado em que a maioria das pessoas está. Não sou nenhuma especialista na questão – e a cada vez que mais tento entender, mais vejo a complexidade da situação, um histórico de mútuas acusações e falhas de ambos os lados. Só queria deixar aqui um registro da sensação que tenho. Alguém que, com seus 20 e alguns anos, passou boa parte da vida vendo manchetes sanguinolentas sobre a região. Tantas, que poderiam ter se tornado banais. Se há um lado, é o da paz, como bem disseram Fernanda Teixeira e Célia Forte há alguns posts atrás.
Só queria contar ainda um fato marcante, de que me recordo sempre que vejo na televisão as imagens dos conflitos ali. Estava na Espanha, em meio a uma turma de bolsistas do mundo inteiro, quando estourou a Guerra no Líbano. Nos reunimos – brasileiros, espanhóis, marroquinos, franceses, cristãos e muçulmanos – e cantamos, juntos a Milonga del Moro Judío, de Jorge Drexler. Ele, um uruguaio também herdeiro do sangue de ambos os lados, falava de Jerusalém, que hoje está “em paz”. Mas o versos que ele compôs traduzem bem o que sentíamos, e acho que continuam a valer enquanto perdurarem os conflitos na região.
Para ouvir a canção no Youtube,
clique aqui. Abaixo transcrevo a letra:
Por cada muro un lamento
En jerusalén la dorada
Y mil vidas malgastadas
Por cada mandamiento.
Yo soy polvo de tu viento
Y aunque sangro de tu herida,
Y cada piedra querida
Guarda mi amor más profundo,
No hay una piedra en el mundo
Que valga lo que una vida.
Yo soy un moro judío
Que vive con los cristianos,
No sé que dios es el mío
Ni cuales son mis hermanos.
No hay muerto que no me duela,
No hay un bando ganador,
No hay nada más que dolor
Y otra vida que se vuela.
La guerra es muy mala escuela
No importa el disfraz que viste,
Perdonen que no me aliste
Bajo ninguna bandera,
Vale más cualquier quimera
Que un trozo de tela triste.
Yo soy un moro judío
Que vive con los cristianos,
No sé que dios es el mío
Ni cuales son mis hermanos.
Y a nadie le dí permiso
Para matar en mi nombre,
Un hombre no es más que un hombre
Y si hay dios, así lo quiso.
El mismo suelo que piso
Seguirá, yo me habré ido;
Rumbo también del olvido
No hay doctrina que no vaya,
Y no hay pueblo que no se haya
Creído el pueblo elegido.
(Lígia Azevedo)