terça-feira, 17 de junho de 2008

Diário de Maceió

O povo de Maceió gosta de uma boa conversa. Não perde tempo para contar histórias, ainda mais quando percebe que está falando com alguém de fora. No calçadão da praia ou nas lojinhas de artesanato, saciamos a sede por curiosidades ao ouvir os outros falarem. Por isso, andar a pé pela cidade era o passatempo preferido.

Na ótica - Depois de mostrar alguns pares de óculos, a balconista era quase amiga íntima. Não compramos nada, em compensação batemos um papo comprido e inusitado. Começamos pelo tema violência na terra dos coronéis. Entusiasmada, ela contou cada detalhe do crime bárbaro ocorrido na cidade há uns 20 anos, o do cara que levou uma surra daquelas e foi costurado vivo dentro da barriga de um boi.

Em tempo: à noite, o telejornal local noticiava o assassinato de um suplente de vereador assassinado a pedradas e jogado na Lagoa Mundaú.

Na ótica 2 - Colando os assuntos, sem ponto de edição, animou-se ao lembrar da senhora distinta, elegante, que entrou na loja, as chaves do carro nas mãos, acompanhada da filha à procura de óculos de sol. Para a freguesa experimentar com mais conforto, a balconista ajeitou o espelho de forma que ela pudesse ver se o modelo ficava bem em seu rosto. Espantada, a cliente deu um grito e virou bruscamente o rosto, rejeitando a gentileza.

Refeita do susto, contou que – por trauma de infância, quando tinha a cara salpicada de espinhas – não se olha no espelho há mais de 30 anos. Nunca mesmo, repetia impressionada Lúcia, a balconista loira e simpática, que ficou com a pulga atrás da orelha: como será que ela consegue dirigir sem olhar no espelho retrovisor?

No posto policial - Caminhando à noite de volta para o hotel, o policial do Posto de Informações nos aborda para avisar:
- Tome cuidado com o celular nesse pedaço da praia.
Eu tinha acabado de atender uma ligação e ainda estava com o aparelho na mão.
Depois da recomendação e de ser informada por ele que Maceió não tem efetivo suficiente para combater a violência – nem carros, nem armas, nem nada (um alento e tanto para quem estava chegando de férias!) -, foi a vez de seu celular tocar. Ele olhou o número e não atendeu.
- Estou me divorciando, não atendo número desconhecido. Fui casado anos, meus filhos são grandes, já sou vovô, ela engordou, nem parece a mulher com quem me casei. Agora estou nas audiências da separação e preciso ter cuidado. Os olhos brilhando pela oportunidade de ter ouvintes, o guarda não pararia de falar até que rolou uma desculpa para cairmos fora.

No táxi – Escapando de uma batida (o trânsito na cidade é muito louco, todos correm, cruzam as pistas, encostam no carro da frente, buzinam e costuram sem dar sinal), o motorista conta que a maneira mais fácil de se livrar de um cadáver é jogá-lo na foz do Rio São Francisco. Lá os tubarões comem tudinho, não sobra nada, disse, comentando ser essa prática comum até hoje.

Na lojinha de artesanato - Voltem amanhã, daí vocês podem ver tudo com mais calma. Hoje eu e vocês estamos cansadas. (Ainda faltava meia hora para a loja fechar e a vendedora, com dor de cabeça, foi bem sincera.)

(Fernanda Teixeira e Sandra Polaquini)

4 comentários:

Vicina Restaurante Pizzaria disse...

antes de mais nada: texto excelente -gosto do seu texto, ele é leve-.
a descirção está ótima, até parece que passei toda esta aventura com vocês

Anônimo disse...

obrigada, odilon, muito gostoso receber comentários seus.
valeu mesmo! está convidado para escrever no blog quando quiser. É so mandar um texto pelo fernanda@artepluralweb.com.br
beijo.

Anônimo disse...

que histórias maravilhosas!!! ainda bem que foram contadas para excelentes cronistas!!! beijocas de saudades, Erika Riedel

Anônimo disse...

érika, querida, saudades. vamos nos ver!