Guardo histórias engraçadas do tempo de redação, precisamente, como se diz no jargão jornalístico, quando era foca, nome atribuído ao profissional em começo de carreira que, como o animal em questão, mete o nariz em tudo. Era ainda jornalista desta espécie quando fui trabalhar na editoria de Variedades da Folha da Tarde, o primo-pobre da Folha de São Paulo, hoje já extinto. E claro, como qualquer jovem, sobretudo novato em algum emprego, tentava acompanhar os colegas em tudo o que faziam para me sentir aceita e entrosada. E o repórteres daquela redação tinham o hábito de todo dia, naquele hiato entre o fechamento e a última revisão, descer em grupo até a padaria e tomar uma cervejinha. Não sei se os tempos eram mais românticos ou politicamente incorretos, o fato é que jornalistas costumavam beber mais – menos eu.
Homem tranquilo e jornalista experiente, nosso editor não se importava. Sabia que uma saída rápida como aquela não comprometia a qualidade do trabalho. Mal sabia ele que, no caso de uma repórter distraída e pouco acostumada a bebidas alcoólicas, poderia comprometer sim.
Cigarro entre os dedos, a cinza caindo no meio das teclas da primeira geração dos jurássicos computadores, tijolões quadrados da dimensão de microondas, eu aguardava ansiosamente por estes momentos de lazer com o pessoal. Nesse dia não foi diferente. Dei a tradicional escapada para aliviar a visão das pastilhas coloridas das paredes. Larguei o texto que deveria ser fechado naquele dia. Salvei e desci. Atravessei a Barão de Limeira e, como de costume, pedimos cerveja de garrafa e sanduíche de queijo com mortadela.
Na volta, antes de continuar a escrever, fui até a editoria de arte. Neste momento fatídico deve ter ocorrido o inexplicável em meu cérebro. Se distração ou efeito dos dois copos de cerveja, não sei. Pedi, então, ao diagramador uma ilustração para a matéria que produzia. Precisava ser o desenho de uma caneca ou um copo de cerveja, a espuma escorrendo, para dar água na boca do leitor e destacar meu texto sobre a festa da cerveja, programada para o fim de semana na casa de Portugal, conforme informava o release de divulgação.
Cervejas importadas trazidas de várias regiões de Portugal? A princípio, estranhei as informações inusitadas, mas não dei bola e prossegui. Engraçado Portugal ser celeiro de cerveja, não sabia da variedade da bebida existente neste País, pensei. E eles ainda exportavam, curioso! Até aquele dia, cerveja para mim era com os alemães.
Dia seguinte, jornal rodado, ainda nem tinha visto o resultado do trabalho, quando o telefone tocou na redação vazia. Atendi. Do outro lado, uma voz em tom extremamente irritado perguntava quem havia feito a reportagem da Casa de Portugal.
Que absurdo um repórter ser tão desatento e distraído! Vou reclamar com o editor, vociferava a senhora que ameaçava pedir a demissão do responsável por aquele erro grosseiro, além de outras ameaças. Fui me encolhendo, falando baixinho, olhos arregalados de medo de ser surpreendida.
Tentei acalmar a senhora, mas só piorava a situação. Sem saber se fora o efeito da cerveja no sujinho ou a distração, mas o fato é que a desligada repórter aqui trocara a palavra cerejapor cerveja. E esta letrinha entre o “erre” e o “e” faria toda a diferença. No mínimo, mudava o tema da festa de fruta para bebida. Sorte não haver ninguém na redação. Nenhuma testemunha flagrou o telefonema, ufa! Consegui esconder de todos as consequências desastrosas de uma cervejeira ocasional, saí ilesa do episódio e até hoje me divirto muito com o acontecido.
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