Porque hoje é Dia dos Pais, resolvi publicar novamente texto de 2007 sobre meu pai, que morreu em setembro de 2002, dez dias antes de fazer aiversário, e até hoje é presença constante no coração e no pensamento,. um grande cara na minha vida.
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Recebi a notícia mais triste da minha vida em setembro de 2002, no dia 8, a 10 dias de seu aniversário. Era uma tarde cinzenta e chuvosa, domingo fatídico aquele. Na UTI do Hospital Oswaldo Cruz, eu e meus irmãos abraçados, a dor na alma e na carne, como se alguém tivesse arrancado nossos corações pela garganta, nos sufocando. Durante muitos anos lutei para apagar da memória essas imagens, visíveis mesmo de olhos bem fechados.
Depois de cinco anos, hoje lido melhor com recordações e não passa um dia sequer sem que me lembre dele. O sorriso doce, os olhos meigos, o jeito brincalhão, sempre pronto para fazer uma graça, soltar uma piadinha. Daí tomei coragem e resolvi escrever este texto para me lembrar cada vez mais, me certificar de que jamais esquecerei sua voz, mesmo que não a tenha gravada na caixa postal do meu celular, como várias vezes pensei em fazer com as mensagens deixadas por ele.Engenheiro, sublimou o talento para o desenho mas não perdeu a sensibilidade.
Lia o jornal toda manhã, sem perder as tirinhas de Hagar, o Horrível, o adorável viking do cartunista Dick Browne. Lembro dele deitado depois do almoço, na sala de som, escutando música, de preferência um Paulinho da Viola, Clara Nunes, porque o cara tinha bom gosto musical. Ou tomando um uisquinho para relaxar depois do trabalho, passeando com o cachorro que ele me deu - mas que escolheu ele como dono.
Lembro dele com cara de gaiato, sempre tentando uma pegadinha, dando gargalhadas com O Gordo e o Magro, com o humor ingênuo do trio mais biruta da TV, Os Três Patetas, e com o desenho animado Pink Panther, a pantera magra e desengonçada, apelido depois dado por mim e pelo Beto ao nosso irmão do meio.
Companheiro da minha mãe por mais de 50 anos, com ele, aprendi a ser mais paciente, menos intransigente. De herança, ele também deixou a força para vencer os vários desafios: a perna quebrada em acidente quando ainda era garoto, a internação em Campos do Jordão para tratar a tuberculose adquirida na fábrica de lâmpadas onde trabalhava, o câncer de próstata, a osteoporose na coluna... O cara era forte como uma rocha, o são-paulino que escutava futebol pela Jovem Pan e acordava a casa toda pela manhã com a famosa vinheta da rádio “vambora, vambora, tá na hora, tá na hora...”
Deu duro a vida inteira e quando se aposentou abriu um negócio. Quando não deu mais, foi administrar a Arteplural. E eu, influenciada por seu espírito moderno, entre o Jornalismo e o Direito, escolhi o primeiro. Por isso, dedico a ele cada dia de trabalho com bom humor e brindo vida longa à Arteplural.É muita história pra colecionar. O passeio de ônibus por Copacabana quando moramos no Rio, os pacotes de biscoitos devorados logo depois do jantar.
A emoção da primeira vez que o homem pisou na Lua, a farra com a vitória da seleção da Copa de 70 pelas ruas do bairro, ele dirigindo nosso primeiro Fusca. Os tanques de Guerra na porta de casa, em frente ao quartel da Manoel da Nóbrega em 64, a estranheza ao ver fotos de amigos da família procurados como “subversivos” em cartazes na padaria. O governo militar e a inocência de meus irmãos marchando como os soldados.
E hoje, ele dando cambalhotas no sonho do Flávio ou atendendo o telefone na casa da minha mãe, desta vez no meu sonho, e dizendo para eu não me preocupar que ele estava cuidando direitinho dela. O orgulho de ter o mesmo nome, ter nascido no dia 18. Meu pai era uma figura e eu aproveitei bastante o tempo que pude ao seu lado, tenho certeza.
(Fernanda Teixeira)