sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sem despedida


Depois de quase 24 anos, o cotidiano do trabalho no escritório de arte havia mudado radicalmente. Tudo continuava no mesmo lugar, a casa, a rua, as pessoas. Tinha se apagado o glamour dos tempos em que os artistas passavam as tardes tomando champanhe, chá e conversando sobre estilos, escolas artísticas, tendências.

Aldemir Martins fez sua última exposição lá, em 2004, e até hoje ela guarda duas gravuras autografadas pelo artista plástico, pintor e escultor, famoso pela série de gatos pintada ao longo da vida. Também conheceu Raquel Taraborelli, Manabu Mabe, Inos Corradin. Desse convívio frutífero, hoje reconhece o traço de vários artistas, sabe seu valor no mercado de arte, entende do riscado.

Quando veio para São Paulo, saída da casa dos pais no Interior, teve um ou dois empregos e logo encontrou seu porto seguro na galeria. Assim, ganhando o próprio dinheiro, depois pôde estudar, fazer faculdade na cidade grande. Não tinha nem 20 anos e, com a carteira de motorista na bolsa, tomava ônibus para se locomover, não raro pegando a linha errada, se perdendo em São Paulo, milhões de habitantes, número consideravelmente superior ao de Brotas. Esperta e determinada, logo conseguiu se matricular na universidade.

Acompanhou o negócio de seu patrão crescer e acumulou histórias da época em que ele chegou ao Brasil, vindo da Romênia, fugido da guerra na Europa. Empilhava os tapetes persas em um caminhãozinho, rodava pelas estradas e vendia Brasil afora, danado ele, dotado de forte tino comercial.

Nem passava pela sua cabeça muitos anos depois sentar nos persas, também empilhados no terceiro andar da galeria, nas festas de fim de ano com a turma, regada a churrasco, cerveja, uísque e champanhe. A fumaça impregnando tudo. Já não tinha comprador para os tapetes, transformados em produtos fáceis de serem encontrados em qualquer loja, e a preços baixos. Vender tapete barato ele não admitia. Parecia colecionador o produto. Ela conta que o pessoal aproveitava o aconchegante e escondido ambiente também para dar uma dormidinha depois do almoço.

Foram mais de três anos ensaiando a despedida. Um adeus que não aconteceu no último dia. Ficou entalado, era pedir demais. De onde tiraria forças para beijar e abraçar os amigos de mais de duas décadas? Saiu à francesa, deixou para chorar no caminho de casa. Sabia que voltaria lá outros dias, já refeita dessa emoção difícil de conter.

Dito e feito. Hoje, passado um mês desde aquela tarde, mais tranqüila, ela visita o pessoal, os amigos que fez lá, tira dúvidas de quem ficou no seu lugar. Já digeriu a situação e anda por aí feliz, feliz da vida.

(Fernanda Teixeira)

Nenhum comentário: