Acordei com um gosto amargo na boca, bílis, cabo de guarda-chuva, como minha mãe diz.
Quem discorda e quem concorda com a decisão do presidente Lula de se abster ao apelo dos presos políticos de Cuba, como aconteceu com Orlando Zapata, que morreu de greve de fome na última terça, 23? A resposta não vem ao caso, mas o silêncio sepulcral entrega.
Antes de Lula desembarcar na ilha, presos políticos haviam pedido que ele intercedesse junto aos irmãos Castro pela libertação dos dissidentes. Lula, entretanto, preferiu se abster do tema dos direitos humanos durante sua visita a Cuba.
Um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, Clóvis Rossi, disse tudo na edição de sábado, 27 de fevereiro de 2010, do jornal Folha de S. Paulo. Inteligente, culto, sábio, afirmou que "o silêncio cúmplice da esquerda brasileira mostra como é difícil desfazer-se de uma lembrança sentimental."
Para quem não leu, peço licença para reproduzir aqui alguns trechos. O respeitado profissional, em seu raciocínio, levanta pistas sobre a boca fechada do governo Lula a respeito das violações aos direitos humanos na ilha do Caribe.
"No fundo, é simples: a revolução cubana faz parte da memória sentimental da esquerda brasileira. E a esquerda brasileira, em seus mais variados matizes, está no poder desde a queda de Fernando Collor de Mello, no já remoto ano de 1992.
"Afinal, Castro e seus companheiros de certa forma fizeram a Revolução Francesa que a América Latina jamais fez nem antes nem depois. E não há nada mais sedutor do que o brado de liberdade/ igualdade/ fraternidade."
"De mais a mais, a América Latina e o Brasil foram, a partir de 1959, o ano do trunfo da revolução, uma seqüência de ditaduras militares fincadas a pretexto de evitar a ditadura de signo posto."
"Quem não gosta de ditaduras – e as pesquisas do Latinobarômetro revelam um suporte majoritário, embora oscilante à democracia - ficou emparedado entre criticar a cubana, o exercício favorito das ditaduras latino-americanas, ou apóia-la, por ser contra as demais. Ou calar."
"Ademais, é evidente que Fidel Castro sempre foi, visualmente, mais simpático que, por exemplo, Augusto Pinochet, além de ter uma aura romântica, já remota, é verdade, mas presente na memória sentimental do subcontinente."
"...Pode ser difícil para a maioria dos mortais jogar ao mar os sonhos que a memória guardou, mas não dá para negar o fato: a revolução virou um pesadelo. Silenciar sobre ele não traz de volta o sonho."
O jornal espanhol, El País, analisa a visita de Lula como um derradeiro gesto de apoio político e econômico a Cuba antes do fim de seu governo. O jornal ressalta que essa é a quarta viagem do presidente brasileiro a Cuba em seus oito anos de governo, e que o principal objetivo da visita é respaldar setores estratégicos da economia cubana, como a infraestrutura e o petróleo, no momento em que a falta de liquidez e a crise vêm afetando o governo da ilha. Ainda conforme o El País, não há espaço para os dissidentes na agenda de Lula, “um velho aliado do regime”.
A frieza de Lula, a insensatez de Marco Aurélio Garcia - “há problemas de direitos humanos no mundo inteiro” -, envergonham os brasileiros que acreditam que ninguém mais deve morrer de fome de liberdade.
Depois não adianta levantar bandeira de direitos humanos. Ditaduras, sejam de direita ou de esquerda, já na cabem no mapa mundi de hoje. Péssimo o presidente ser lembrado por esse episódio. Constrangedor até para quem, como eu, um dia votou nele e acreditou no idealismo que o um partido poderia mudar os rumos da história. Dá pra desculpar quando se é jovem e idealista.
Procuro não pensar. Às vezes é inevitável: como a popularidade de Lula bate recorde após recorde com histórias trágicas como essa? O Brasil, realmente.... Deve ser porque este exemplo da impunidade não faz a mínima diferença para o povo faminto e sem Educação, que precisa, sim, de comida, e que aceita, é óbvio que de bom grado, esmola, esmola, esmola.
Já sinto um aroma de tutti-frutti. Coisas do meu paladar infantil.
(Fernanda Teixeira)