sábado, 29 de março de 2014

Nao avise a polícia!


Não avise a Polícia!

____________________________________________________________

Soldados, soldados, soldados!  Até hoje me pergunto por que não me tranquei em casa com os dois. Eles eram muitos soldados. Passavam sentados na caçamba de caminhões ou em tanques de guerra, com canhões de 10 metros. Nos capacetes de ferro, as letras PME em maiúscula, pintadas de branco. Em posição de combate, posavam sobre as escotilhas dos veículos.

Em frente ao quartel general do Exército, a concentração de policiais e equipamentos bélicos produzia euforia nas crianças. Outono de 1964, São Paulo, rua Manoel da Nóbrega. Flávio observava da garagem do sobrado o vaivém dos soldados descendo e subindo a rua. Naquele dia foi diferente da troca de guarda diária. O tom monocromático das roupas destoava do vestido vermelho de bolinhas brancas da Nanda.

Ir com eles até a padaria poderia nos salvar do pesadelo?  Cabelo cortado rente, Flávio imitava os gestos e o jeito cadenciado de andar dos recos. Não andava, marchava, pisava duro, um pé depois o outro. O vento varria árvores nervosas e meus dois filhos brincavam na calçada de casa. A multidão cobria o asfalto. Nossa, que perigo! Tum-tum, Tum-tum, Tum-tum, o peito arfando, as mãos soldadas nas das crianças, decido furar a concentração humana  espalhada pela rua, em frente à nossa casa. Com licença, perdão, posso passar? Cuidado, estou com filhos pequenos! Não se pendura, menino, assim não aguento seu peso. Levados, ele e a irmã, 2 e 4 anos, se esbaldavam enquanto eu olhava ao redor.  O céu chumbo-oliva.

Vamos, crianças, não saiam de perto, não soltem as mãos! Armada de coragem, segui, empurra daqui e dali, à procura de brechas entre policiais fardados empunhando fuzis e cacetetes. Óculos gatinho, tailleur rosa pálido, cabelo penteado, batom, leve rouge nas maçãs do rosto - porque eu gostava de sair de casa arrumada, nem que fosse para ir até a esquina resolvi encarar a confusão. Uma esquisitice no estômago, fomos comprar pão. Tentativa de mudar de cenário. Licença, licença, por gentileza, o senhor pode afastar um pouco, preciso passar! Com toques nas costas dos soldados, abria espaços. Logo alcançamos a padaria.

Meia dúzia de pãezinhos franceses, por favor! Saíram agora? Um guaraná e dois drops dulcora também! Exausta, uma luta cuidar deles correndo no chão engordurado. No balcão, homens bebiam cerveja, os ouvidos grudados no rádio de pilha. Cheiro azedo de bebida misturado à fritura. Pronto, crianças ajudem com os pacotes! Vamos embora, O que está olhando, Nanda? Esses retratos engraçados, mãe! Vire pra lá, depressa, não quero que nos vejam, pode chamar atenção. Puxei os dois.

Sem entender por que era impedida de olhar as fotos, a pequena obedecia mas nunca mais esqueceria a estranheza daquele tremor suado nas mãos da mãe. Curiosa, na certa ficou com o desejo de ver um bocadinho mais as imagens. Quem sabe encontrar entre as fotografias a do primo mais velho, intelectual, barba e óculos, que no futuro daria aulas na universidade. O nome dele, com certeza, ela já ouvira sussurrado quando os adultos conversavam pensando que as crianças brincavam desatentas. Um fiapo de medo mesclado com orgulho tirou o embrulho do estômago. Eu mesma mais nunca vi o primo Daniel. Quando encontrava seus pais nas férias cariocas, instaurava-se um silêncio trágico.

Eu fingia não ver e queria esconder dos meninos, criança é curiosa, pergunta tudo. Mas o cartaz estava lá - pregado com durex no azulejo ensebado -, revelando fotos três por quatro ampliadas, com rostos de homens e mulheres em preto e branco, e dizeres: Terroristas e Subversivos Procurados Ajude a Proteger sua Vida e a de seus Familiares Avise a Polícia. Quando cresceram um pouco, encontrei as palavras certas para explicar a meus filhos por que a polícia não gostava do nosso primo, um dos "Procurados" do cartaz. Tinha pegado em armas, havia sequestrado o embaixador alemão e fora exilado.


Fernanda Teixeira

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Da série, cães dos amigos

Juju, Júlia Roberts,
da querida Salete



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Cães da nossa vida



Coca

Nana

Nana, Didá e Coca

                                                                            Jade



Júlia

Lili

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Dudu, Nana e Coca 






quinta-feira, 13 de junho de 2013

DA VINCI E MAQUIAVEL REVOLUCIONARAM O MUNDO DESDE O RENASCIMENTO


Da Vinci revê entre outras antigas crenças as formas e ideias sobre o corpo humano e as expõe verbalmente, mas mais ainda através de suas pinturas. Ele (Tadeu di Pietro) encontra Maquiavel (Tadeu de Pietro também) que o público diferencia devido aos ótimos figurinos que foram criados pelo diretor Elias Andreato que assina ainda a cenografia e a iluminação, mostrando competência em todas essas atividades, que colaboram para o ótimo espetáculo.

Maquiavel é o principal protagonista, expondo com clareza suas ideias de que o homem é uma criatura que se move segundo seus próprios interesses e não por forças externas místicas ou não. Quem nunca se deteve na leitura de “O Príncipe” levando em conta a revolução que foi e são suas ideias precisa correr para ver. Vale muito a pena. O texto elaborado por Miguel Filiage e o próprio ator teve supervisão de Chico de Assis e é sucinto, assim como claro. Até didático – sem esquecer que não se trata de uma aula – como convém a peças teatrais. Especialmente indica ao público jovem, a meu ver.

Além dessas qualidades. o espetáculo se passa no MUBE Museu Brasileiro da Escultura que divide um terreno na avenida Cidade Jardim esquina de rua Alemanha, Jardim Europa, com o Mis, Museu da Imagem e do Som. Locais extremamente agradáveis de se visitar, ambos atualmente exibindo várias peças.
Se você se interessou pelo tema Leonardo Da Vince e Nicolau Machiavel, não deve perder, pois é um  assunto que continua atualíssimo, com ótima atuação de Tadeu de Pietro e excelente direção de Elias Andreato. 

Maria Lúcia Candeias 
Doutora em teatro pela USP e Livre Docente pela Unicamp   

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Perfume do Cadáver

Você não pode encontrar 
paz evitando a vida. (Virgínia Woolf) ___________________________________________________________________ 

Lembro com carinho do velório de JR. A placa de plástico preta ao lado da porta de vidro fumê. Nela, o nome de José Ricardo Almíscar de Figueiredo escrito em letras amarelas. Ajeitando no nariz os óculos de massa caramelo, entro e dirijo-me ao caixão. Antes, arrumo o nó da gravata estreita de seda francesa e abotôo o paletó do terno azul marinho feito sob medida. O aroma das coroas de flores asfixia parentes, amigos, a viúva traída. Pigarro, mais outro, a tossinha seca, duas gargantas irritadas. Uns fumam. Alguém abre o basculante da janela que dá para a rua. O vento agradável é um novelo de algodão acariciando o rosto dos enlutados.

Antes que me aproxime do corpo, reconheço o delegado, as garotas de programa, o dono da boate, os leões de chácaras, os cantores, o padre. Olho no olho de cada um, cumprimento todos ao mesmo tempo com um movimento lento de cabeça para baixo, os olhos fechados. Avisto o corpo de JR acomodado entre ramos de alecrim e folhas de lavanda. Insustentáveis lembranças. Poderíamos ter sido bons amantes. Deixo os cabelos lisos e compridos caírem sobre o rosto ao me inclinar para beijar a boca do morto. Ninguém nota. Gosto de madeira, perfume de malte escocês. Neurótico que sou, sigo roendo as unhas mesmo relaxado. Sobra uma farpinha. 

De terno de linho claro, camisa esporte e barba feita, JR morreu jovem. Um parque de diversões pela frente. Overdose de pó e uísque. Foi encontrado nu, o corpo torneado, queimado de sol, estirado na cama do flat de luxo. A gente se conhecia desde os 14 anos. No RG, a mesma idade. 33 anos, em dezembro deste ano. Os dois de Capricórnio. Estilista bem-sucedido. Eu me formei advogado. 

Fantasio nossa última noite no dancing. Não me lembro por que nos desentendemos. Concentrado em pensamentos de noites passadas, levo susto com a loira vagaba que, aos berros, se joga sobre o morto. Descontrolada, agarra o corpo de JR alheia ao zum zum zum do ambiente. A cena pega mal, o caixão balança. Na certa, pela manhã, já sabendo do ocorrido, fez os últimos gastos no cartão de crédito dele, logo depois de entrar em seu apartamento e levar o jogo de porcelana inglês. 

Saudades eternas de JR, seu perfume, o velório. Amor que não se enterra e a derradeira cafungada, antes do sepultamento, pelo tubo da bic cristal numa carreira bem esticada de 15 cm sobre a tampa da privada do banheiro. Esta é pra você, meu amor.

Fernanda Teixeira

domingo, 24 de março de 2013

Livros lidos em 2013 - O Filho Eterno - C. Tezza - A Cidade Ilhada - M. Hatoum - Elogio da Madrasta - M V llosa - Kafka e a Boneca Viajante - Jordi Sierra