quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

KAFKA EM PESSOA


Essa é a sensação do espectador que se senta na platéia para assistir  “A Construção”, em cartaz no SESC Pompéia, às sextas e sábados às 21hs e aos domingos às 19hs até 25 de março.


O monólogo, como tudo escrito pelo autor de “Metamorfose” e “Carta a Meu Pai”, tem a marca de um dos maiores escritores do século XX, e não apenas em língua alemã, embora seja Tcheco. Coisas do Império Austro-Húngaro que só acabou mesmo no final de primeira grande guerra. Kafka (1883/1924) foi o pai do expressionismo alemão que acabou por influenciar todo o mundo, tendência que se baseou também em Freud (1856/1939), mais velho do que Kafka, mas da mesma região, ambos judeus e, como tais, ameaçados pelo nazismo.

O brilho do texto que se acompanha pela interpretação perfeita e surpreendente de Caco Ciocler – um ótimo ator que tem feito pouco teatro – se deve também pela tradução, adaptação e direção de Roberto Alvim. São 50 minutos em que se mergulha na intimidade do grande mestre, participando inclusive de um pequeno surto, onde o personagem visualiza uma pessoa que não se pronuncia e mesmo assim tem presença marcante, personificada por Ricardo Grasson. A delicadíssima trilha sonora de Felipe Ribeiro cai como uma luva, assim como os dois discretíssimos trajes concebidos Marina Previato.

Quem conhece pouco Franz Kafka não deve perder de jeito nenhum, quem já admira sua obra, muito menos. Vale lembrar que são apenas 50 lugares razão pela qual é preciso não perder tempo, para se dar o prazer de uma grande arte.

                     Maria Lúcia Candeias
                    Doutora em teatro pela USP, Livre Docente pela UNICAMP

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Núcleo Experimental convida vizinhos para ir ao Teatro

Núcleo Experimental inaugura teatro na Barra Funda com proposta de instigar a vizinhança    A sede abre em março com As Troianas e a seguir apresenta o infantil premiado Canções de Amor em Rosa, de Fernanda Maia, e Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Penna. Mais do que implantar conjunto de ações de cima para baixo, o grupo está aberto a interações com o bairro. A proposta é que o teatro se torne uma atividade real da vizinhança específica e um equipamento cultural importante para o bairro pela sua consistência e vitalidade de programação   Enquanto anota a placa do veículo que entra e dá o ticket para o motorista, o alagoano Ivan da Silva, 20 anos, se apressa em manobrar outro carro. Casado, pai de um filho de um ano, não vê a hora de terminar a reforma do imóvel em frente ao estacionamento em que trabalha. Morador do Centro, nunca foi teatro. “Para mim seria uma honra ser convidado.” Assim como ele, o público das redondezas da rua Barra Funda, nº 637, está na expectativa pela abertura do Teatro do Núcleo Experimental. Se depender da vontade da companhia de teatro, esse pessoal será sempre privilegiado como espectador das montagens da sede do grupo de mesmo nome, a ser inaugurada dia 1º de março com As Troianas- Vozes da Guerra – agora falado em português, de graça e com Patrícia Pichamone no elenco.   Na programação do novo espaço, a seguir, serão encenadas Casa Cabul e a inédita Bichado, que completa a Trilogia da Guerra. Localizado no bairro da Barra Funda, o Teatro do Núcleo Experimental ocupa uma área de 450 metros quadrados. Bem servido por transporte público, fica a poucos minutos da Estação Marechal Deodoro do Metrô e perto de linhas de ônibus que passam pela avenida São João, a duas quadras do teatro) e conta com estacionamento 24 horas em frente.   O teatro foi projetado como uma sala multifuncional, o que os ingleses e norte-americanos chamam de blackbox, com uma plateia móvel e modular, com capacidade para até 70 pessoas. A característica de ser uma blackbox oferece inúmeras possibilidades de relação palco x plateia. Um hall, com bar e café, servirá lanches e pequenas refeições temáticas, num cardápio rotativo que irá se relacionar sempre com a montagem em cartaz.   “Durante os 6 anos de existência do Núcleo Experimental, tentamos sempre um modelo de administração que pudesse render frutos a médio e longo prazo, fugindo do teatro como evento ou acontecimento pontual. Por isso, nossas montagens sempre ficaram em cartaz por bastante tempo e em sucessivas temporadas. Isso fez com que a nova sede pudesse ser planejada cuidadosamente e viabilizada inteiramente com recursos próprios da companhia”, explica Zé Henrique de Paula.   Equipamento cultural para a comunidade A interação diária e não invasiva, que possa consolidar um público local, é o desejo do diretor Zé Henrique de Paula, que, junto com os atores do grupo, arregaçaram as mangas e colaboraram na repaginação do espaço. Além da autonomia criativa e de produção da companhia, o que entusiasma Zé Henrique e os atores na relação com a nova sede é a possibilidade de "troca" de experiências com a comunidade do bairro.   Uma sede com espaço para apresentações é um diferencial de autonomia - a possibilidade de pensar a longo prazo, de colocar em cartaz um repertório, coordenar tematicamente as produções, pesquisar linguagem de maneira continuada. O pessoal do Núcleo está muito entusiasmado com a possibilidade de investir na consolidação de uma relação real com o público. “Especialmente no caso da sede da Rua Barra Funda, de interagir de maneira vívida e consistente com o entorno, propondo atividades que humanizem a cidade dura e costumeiramente hostil em que vivemos”, conta o diretor. A preocupação social de interferir com o entorno, com a comunidade do bairro vai mais longe. “Mais do que implantarmos um conjunto de ações de cima para baixo, impondo nossos pontos de vista, estamos abertos a que o bairro interaja conosco, sugerindo, visitando, fazendo com que o teatro se torne uma atividade real dessa vizinhança específica e um equipamento cultural que importe ao bairro pela sua consistência e vitalidade de programação e atividades.   Projeto de ocupação “A guerra, como a entendemos, pode parecer um assunto distante da realidade brasileira. À parte todas as interpretações mais metafóricas do tema (a guerra contra as drogas, a guerra no trânsito, a guerra contra a corrupção), mais comuns ao nosso dia a dia, pensamos a Trilogia da Guerra (As Troianas, Casa Cabul e Bichado) como uma reflexão em três momentos, especialmente sobre o tema do poder.”   “Discutimos a eterna relação entre opressores e oprimidos, vista sob o prisma de três autores em três momentos históricos (II Guerra Mundial, Guerra do Golfo e do Afeganistão) e como esses macroeventos podem repercutir nas vidas íntimas daqueles que estão no cerne do conflito ou na periferia do curso da História, do lado dos perdedores, dos vencedores ou dos que sofrem as consequências sem nem entender os motivos dessas lutas.”   Até o final do ano serão montadas, ainda, o infantil Canções de Amor em Rosa, de Fernanda Maia, e Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Penna, obra do século 19. Os musicais sempre fizeram parte da programação e funcionam excepcionalmente bem como portas de entrada para a formação de público e democratização do acesso à atividade teatral.   No planejamento da agenda 2012, Zé Henrique e o pessoal do Núcleo Experimental cuidaram para que os musicais fizessem parte dessa programação, tanto para plateias adultas como infantis. Judas em Sábado de Aleluia foi transformado em musical com a adição de canções de Chiquinha Gonzaga. Enquanto Canção de Amor em Rosa traz ao público infantil o universo do cancioneiro de Noel Rosa.   Se depender do manobrista Ivan, assim como do cearense Ricardo dos Santos e do piauense Paulinho Pereira – colegas de trabalho no estacionamento da rua Barra Funda, nº 640, e virgens em matéria de teatro – o espaço do Núcleo Experimental já tem três candidatos a público.   (Fernanda Teixeira)